Por um Nuremberg das FARC
Mídia Sem Máscara
| 02 Dezembro 2011
Internacional - América Latina
Por que se quer permitir que os chefes das FARC, depois de fazer a guerra mais implacável no país durante 50 anos, possam tornar-se dirigentes políticos da Colômbia?
Na segunda-feira passada, mediante uma mensagem eletrônica, pedi ao senador Roy Barreras que arquivasse seu projeto de ato legislativo que pretende introduzir em nosso ordenamento jurídico a polêmica “justiça transicional”. Enviei a mesma mensagem aos outros 17 membros da comissão primeira do Senado, pois no dia seguinte eles iam examinar esse texto.
Batizado por Roy Barreras com a pomposa denominação de “marco legal para a paz”, esse projeto, se for aprovado, trará novos problemas ao país pois em lugar de facilitar a paz, prolongará o ativismo que a torna impossível e aumentará mais o caos da justiça.
A iniciativa do senador Barreras, que conta com o apoio do presidente Santos, é nefasta em geral mas tem sobretudo um artigo que preocupou enormemente os colombianos desde o começo. O Artigo 2 desse texto abre a possibilidade de outorgar aos que deixarem as armas a possibilidade de fazer política, eleger e ser eleitos. O único limite a semelhante privilégio, é que o interessado não tenha cometido crimes de lesa-humanidade. Trata-se, obviamente, de um obstáculo evitável.
Em outras palavras: esse projeto, peça central do presidente Santos para sentar as bases de um diálogo com as FARC e o ELN, busca excetuar milhares de terroristas e narco-traficantes desses bandos, do castigo penal e social que merecem. Além disso, pretende permitir que eles se convertam, da noite para o dia, em intocáveis agitadores, caudilhos, politiqueiros, congressistas, juízes, prefeitos, governadores e, finalmente, em árbitros, senão dirigentes, da vida pública nacional. Essa maneira de conseguir “a paz” é muito estranha, pois equivale, na realidade, a propinar à frágil e assediada democracia colombiana o golpe mais solapado e demolidor.
A Colômbia não deixa de se assombrar desde há mais de vinte anos ao ver que os operadores do M-19 não foram processados por seus crimes, nem por sua espantosa destruição do Palácio da Justiça de Bogotá. Permitimos, pelo contrário, que fossem anistiados e que se convertessem em caciques políticos, congressistas, ministros, governadores e prefeitos, o que desembocou no atual desastre da justiça e na explosão da corrupção em algumas cidades. O que nos espera com as milhares de eventuais “desmobilizações” das FARC e do ELN, fazendo e desfazendo na vida política do país, será mil vezes pior.
A título de resposta, o senador Roy Barreras me enviou, horas depois, um curto comunicado de imprensa no qual assegura que, como “inevitável conseqüência” da matança das FARC em 26 de novembro passado, ele havia decidido “suspender” a apresentação do artigo segundo de seu projeto de ato legislativo e avançar na inclusão do resto do texto. “Apresentarei amanhã, segunda-feira, em minha exposição, somente o Artigo 1 que contém os instrumentos de justiça transicional que o Governo necessita, para evitar o colapso de justiça e paz, e de leis similares”. A senadora Karime Mota me enviou o mesmo texto.
A resposta do senador Roy Barreras é inquietante. Ele não aceita retirar o Artigo 1 de seu projeto, mas só o “suspende”. Quer dizer, que dentro de alguns dias ou semanas, quando a cólera nacional contra o recente massacre das FARC tenha decaído, ele poderá tirá-lo da manga de novo sob outra forma.
Entretanto, a revista Semana acreditou ser necessário dar a entender que Roy Barreras havia retirado totalmente a perigosa iniciativa. “Após o massacre dos uniformizados, retiram proposta de representação política a desmobilizados”, afirmou em 28 de novembro de 2011. Porém não, ninguém retirou nada. Fica tudo suspenso, o que é outra coisa.
A partir desse momento a ambigüidade se apoderou da comissão primeira. O Partido Conservador pediu a seus quatro senadores que não apoiassem a iniciativa de Roy Barreras. “Pensar em diálogos e marcos legais é uma solene ingenuidade. A única solução é o império da lei e da força, de maneira que se se está falando de marcos legais para o diálogo, eu não estou de acordo com isso”, declarou José Darío Salazar, presidente desse partido.
O Partido Liberal foi tíbio. O senador Juan Fernando Cristo limitou-se a dizer que sempre houve “muita dúvida frente à oportunidade e conveniência desse ato legislativo”. Juan Manuel Galán pediu “clareza” para que o projeto de Barreras não acabe sendo “uma lei para a impunidade, nem de ponto final”. O ministro da Justiça, Juan Carlos Esguerra, estimou que os desmobilizados “não terão representante político, como em algum momento se pensou”, porém que o resto do projeto deve ser aprovado, “apesar do assassinato de quatro uniformizados seqüestrados pelas FARC”. O ministro do Interior, Germán Vargas Lleras, embora tenha assinalado que “definitivamente se fecha a porta” para a representação para os ex-terroristas, deu a entender que mais tarde poderiam retomar essa idéia, pois os assassinatos dos quatro reféns “não podem nos fazer fechar os olhos frente ao que é o sonho que o país tem para o futuro”.
Como se vê, o plano de abrir espaços políticos aos chefes e quadros dos bandos terroristas para negociar com eles o futuro da Colômbia continua vigente, embora que por razões de prudência ante a imensa dor popular pelo novo crime das FARC, essa idéia foi, aparentemente, deixada em suspenso.
Essa manobra prova que três dias depois de um novo crime de lesa-humanidade das FARC, contra quatro membros da força pública que estiveram em cativeiro atroz durante mais de doze anos, os setores afeitos ao Governo são incapazes de se dotar de uma política real de firmeza contra o terrorismo. Parece que a lógica dominante, além da fraseologia costumeira, estipula que como a continuidade militar das FARC está em perigo, deve-se preservar-lhes - ao menos - uma continuidade política através de “diálogos de paz” e de abrir-lhes janelas para que façam protagonismo político. O enfoque é monstruoso. A Colômbia, pelo contrário, deve impedir uma e outra coisa.
“Todo o mundo viu o que são as FARC”. Essa frase se repete com razão em todas as partes nestes últimos dias. A tristeza é imensa. Todavia, as medidas concretas para pôr fim a essas atrocidades, para desmantelar definitivamente as FARC, continuam sendo rechaçadas.
Apesar do espetáculo de horror que as FARC oferecem, de se seus atos homicidas com os quais nos dizem que para eles a paz carece de sentido, que toda negociação é uma farsa, uma minoria continua empenhada, por razões ideológicas, em proteger por todos os meios a continuidade desse aparato criminal. Há pessoas que cuidam de reeditar o experimento do M-19 que entregou as armas para depois continuar, no terreno político, seu trabalho de sapa contra as instituições e contra a democracia. Para alguns chegou a hora de as FARC e o ELN se juntarem a esse processo de demolição.
A Colômbia não pode permitir que os crimes das FARC e do ELN fiquem impunes. Ela deve impedir que os delinqüentes mais ferozes da história nacional sejam recompensados com privilégios políticos.
O que alguns pretendem fazer aqui não tem antecedentes em nenhuma parte do mundo. Após a derrota da Alemanha hitleriana o processo de Nuremberg puniu todos os chefes nazistas sobreviventes. Os que não foram julgados, foram marginalizados da vida política desse país. Após a queda do muro de Berlim, os comunistas do Leste Europeu não foram premiados com leis que os catapultassem à vida política. Isso não ocorreu nem sequer na ex-URSS, onde nenhum dirigente do Partido Comunista regressou ao poder por essa via.
Por que se quer permitir que os chefes das FARC, depois de fazer a guerra mais implacável no país durante 50 anos, possam tornar-se dirigentes políticos da Colômbia? Só gente que odeia profundamente a Colômbia pode urdir um plano tão sinistro como esse!
O projeto histórico das FARC, de destruir a democracia e edificar uma sociedade totalitária na Colômbia continua vigente para elas, e elas cuidarão de perpetuá-lo, inclusive após uma derrota militar arrasadora, mediante umas falsas negociações de paz e a criação de alguns “espaços políticos”.
Enquanto países que foram vítimas do comunismo, como o Camboja, estão julgando os dirigentes do regime genocida de Pol Pot no que alguns chamam de “o Nuremberg do Camboja”, a Colômbia não quer saber de um processo geral dos crimes cometidos pelas guerrilhas comunistas.
A Colômbia terá que imitar o Camboja de hoje, que aceitou que um tribunal internacional julgue os genocidas?
Pela liquidação de 1,7 milhões de cambojanos durante o regime de terror (1975-1979), estão julgando por esses dias Khieu Samphan, chefe de Estado, Nuon Chea, ideólogo e número dois do Khmer Vermelho (o Partido Comunista Cambojano) e Ieng Sary, ex-ministro de Relações Exteriores. Kaing Guek Eav, cognome “Duch”, que dirigiu o centro de torturas S-21, no qual 16.000 pessoas morreram, foi condenado a 35 anos de prisão em julho de 2010.
Os crimes pelos quais esses indivíduos são acusados são genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, assassinato, tortura e perseguições por razões religiosas e de raça. Guardadas as devidas proporções, são crimes idênticos aos que as FARC cometem.
O Congresso da Colômbia, em vez de perder seu tempo em discussões sobre projetos suicidas destinados a garantir a impunidade e a sobrevivência política dos narcoterroristas, deveria votar a abertura de um processo histórico geral sobre os crimes do comunismo na Colômbia, um Nuremberg das FARC.
Que a passeata contra as FARC no dia 6 de dezembro próximo, seja ocasião para discutir e difundir esta idéia.
Tradução: Graça Salgueiro
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