Um autor extraordinário contra a política de perfeição
Mídia Sem Máscara
Bruno Garschagen | 04 Junho 2011
Artigos - Cultura
Qualquer utopia política exige um corpo de ideias que a converta publicamente numa manifestação plausível e viável de um desejo positivo e específico para estabelecer um futuro perfeito.
Lembro-me bem quando, anos atrás, cheguei até aquele autor valioso que me faria entender alguns aspectos cruciais da relação do indivíduo em sociedade e, por extensão, com a política e com a economia. E, principalmente, como ambas poderiam ser tanto poderosos instrumentos de promoção do bem-estar e da prosperidade como ignominiosos mecanismos de promoção da igualdade e, portanto, de injustiças.
No primeiro caso, as pessoas assumiam o risco pelo sucesso e pelo fracasso de seus empreendimentos e suas atividades estavam inseridas dentro de um enquadramento institucional que as protegia e preservava um ambiente de confiança desenvolvido ao longo do tempo. No segundo exemplo, a elite de um poder acreditava na possibilidade de se planejar centralmente as relações entre os indivíduos e toda a diversidade e complexidade de suas ações, seja na economia, seja na política.
Esse controle era um trabalho em progresso, interminável, que ou era realizado pela elaboração em série de leis e atos administrativos ou pela violência - ou por ambas. Porque é materialmente impossível para um determinado grupo acompanhar todas as variáveis de comportamento e todas as informações dispersas na sociedade com o objetivo de direcioná-la para uma finalidade específica. No primeiro caso, entendia eu, uma ideologia política era dispensável; no segundo caso, imprescindível.
O tal autor que mencionei me mostrou que os atos individuais geravam consequências intencionais e não-intencionais e a gravidade e amplitude de seus efeitos eram proporcionais à dimensão de seu objetivo individual e social. Quanto mais abstrato era o objeto em específico que se desejava afetar, mais imprevisíveis eram os danos produzidos. O exercício de abstração diluía as pessoas numa massa amorfa generalizada, sem rosto, sem nome, sem vontade e desejos próprios, sem capacidade de escolher e de agir. Um grupo, ao contrário de uma pessoa, não sente dor, necessidades, paixões, e por isso é possível forjar uma moral única e supostamente superior de forma a justificar as intervenções e ataques, que, ao fim e ao cabo, atingirá as pessoas, uma por uma.
Nesse sentido, a ideologia cumpre o papel de instrumento justificador dos atos e legitimador de suas consequências. Qualquer utopia política exige um corpo de ideias que a converta publicamente numa manifestação plausível e viável de um desejo positivo e específico para estabelecer um futuro perfeito. Tal ideia está alicerçada em dois pressupostos: 1) esse futuro existe e pode ser construído; 2) todas as pessoas têm uma natureza humana predisposta a trilhar o caminho da perfeição, e aquelas que ainda não estiverem são passíveis de remição mediante a política.
Tais certezas permitem ao agente da utopia construir uma política de perfeição, a política de fé no sentido dado ao termo por Michael Oakeshott, que conduzirá a essa tentativa de construção de uma sociedade perfeita, sem dores, sofrimentos, carências, necessidades; a igualdade plena levada às últimas consequências. O argumento comum para rechaçar a evidência de tal impossibilidade é a acusação de que os críticos dessa igualdade rousseauniana rejeitam, não aquele projeto em específico, mas a melhoria das condições de vida da sociedade.
Tal deslocamento é a forma utilizada para não expor a fragilidade substantiva daquele ideal de perfeição e, ao mesmo tempo, criar os inimigos da causa, elementos fundamentais para promover o projeto de forma estridente e seduzir adeptos e simpatizantes. Uma causa sem um inimigo não tem o apelo da força juvenil. É preciso confrontar, brigar, usar a violência como meio de instrumentalização do medo que será, posteriormente, institucionalizada.
Uma ideia usada por uma elite política para controlar um poder e submeter as pessoas não é novidade na história nem se vislumbra a sua derradeira queda. E quando ideologias totalitárias per se descobrem que a economia é antes uma poderosa aliada do que uma inimiga e passam a utilizá-la em nome do projeto, num primeiro momento, uma nuvem de fumaça impede a visualização nítida das diferenças de base entre os defensores de uma economia livre que impeça projetos de poder centralizado e os defensores daquela mesma liberdade econômica de forma a usá-la para solapar, posteriormente, as demais liberdades.
Se crises políticas e econômicas podem se converter num caminho fértil para ideologias antiliberais e, com isso, pavimentar revoluções, o bem-estar político e econômico também pode ser usado como instrumento de despolitização da sociedade com a finalidade precípua de criar uma aparência de equilíbrio e efeito anestesiante que estimule as pessoas a não cuidar da política, o que, neste caso, significaria impedir projetos de transformação social com vistas àquela sociedade perfeita do futuro. Com o tempo, qualquer reação torna-se arriscada e difícil, mas não impossível.
O autor valioso chama-se Winston Spencer Churchill.
Bruno Garschagen, é jornalista e mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa/ Universidade de Oxford.
Publicado no site Ordem Livre.
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