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sábado, 19 de setembro de 2009

Le Monde Diplomatique Brasil subestima a inteligência do leitor

Mídia Sem Máscara

Para saber o nível dos leitores do Diplô, deixo de lado todos os artigos que este número publicou sobre as drogas, cujos argumentos inevitavelmente, do depoimento de John Greive ao de Caco Barcellos (como não?), não vão além da surrada acusação de que a violência decorre não do uso das drogas, mas das desigualdades e das injustiças sociais. Passo em revista a publicação e não me surpreendo ao descobrir que o seu modus operandi é sempre o mesmo, profundamente marcado pelo dogmatismo.

Não sou ingênuo a ponto de não saber o que iria encontrar nas páginas de Le Monde Diplomatique Brasil, mas confesso que a manchete na capa chamou minha atenção. "Acabar com o narcotráfico", ela dizia, e me deixou curioso. Afinal, por que havia de propagar o fim do narcotráfico uma publicação simpática às Farc e, principalmente, àqueles que querem o seu reconhecimento como "força beligerante" na Colômbia? Teria havido alguma reviravolta na opinião de uma esquerda que se pretende avançada e esclarecida?

Pois bem, comprei a revista e não demorei a me dar conta de que por trás daquela manchete se escondia exatamente o seu contrário. Acabar com o combate ao narcotráfico, é o que propõe o Diplô, com todas as letras, por meio da legalização das drogas. Confesso que não sou completamente avesso ao fim da proibição. Creio que o debate sobre isso ainda não produziu nenhum argumento decisivo pró ou contra, mas a maneira como Le Monde Diplomatique Brasil tenta conduzir a discussão é muito mais panfletária do que jornalística, apesar de toda a pretensa sofisticação intelectual do periódico que se anuncia veicular "um novo olhar sobre o mundo, um novo olhar sobre o Brasil".

Para começar, o primeiro argumento da revista - que foi exposto na página de seu editorial - é a transcrição de um depoimento de um certo John Greive, que seria comandante da unidade de inteligência criminal da Scotland Yard, dado ao Channel 4 britânico há cerca de 12 anos, em 1997, como se lê, em letras minúsculas, ao pé do texto. Antes de tecer qualquer consideração sobre Greive, devo suspeitar de seus argumentos - esgrimidos há mais de uma década -, uma vez que, durante todo esse tempo, eles em nada contribuíram para a evolução do debate, no sentido de se encontrar uma solução para o problema.

Além disso, é forçoso reconhecer que a revista está apresentando como um "novo olhar" sobre o problema um argumento duplamente velho, por datar de 1997 e por tratar-se do chamado "argumento de autoridade", que visa a convencer o ouvinte devido ao notório conhecimento que seu autor tem do assunto em questão. Ora, o Diplô recorrer à autoridade de um comandante da Scotland Yard, entidade a que a revista costumeiramente se referiria como "a repressão", é de um cinismo demagógico ímpar, mas vamos ver o que o homem tem a dizer.

Antes resolvo checar quem é John Greive e uma breve pesquisa no Google me revela que ele se aposentou da Polícia Metropolitana de Londres em 2002. No New Scotland Yard, em que ingressou em 1966 como detetive, foi efetivamente o primeiro Diretor de Inteligência, mas atuou especialmente na área de combate ao terrorismo e aos crimes raciais e violentos, tendo se dedicado ao estudo dos problemas relacionados à droga após a aposentadoria, quando se tornou professor da London Metropolitan University.

Naturalmente, isso não invalida os argumentos de Greive, nem lhe retiram nenhuma autoridade, mas deixa clara a consideração que Le Monde Diplomatique Brasil tem por seus leitores, a quem julgam que basta dizer estar-se diante de um "especialista em Inteligência Criminal da Scotland Yard" para convencer de que sua palavra é definitiva, no sentido do velho refrão Roma locuta, causa finita. Ora, cada publicação deve saber os leitores que têm e deve ter uma idéia, por mais pálida que seja, de seu nível de inteligência.

Para saber o nível dos leitores do Diplô, deixo de lado todos os artigos que este número publicou sobre as drogas, cujos argumentos inevitavelmente, do depoimento de John Greive ao de Caco Barcellos (como não?), não vão além da surrada acusação de que a violência decorre não do uso das drogas, mas das desigualdades e das injustiças sociais. Passo em revista a publicação e não me surpreendo ao descobrir que o seu modus operandi é sempre o mesmo, profundamente marcado pelo dogmatismo.

Na página 14, por exemplo, estampa-se um artigo de um tal Edilson Farias, cujas credenciais são "doutor em Direito, professor da Universidade Federal do Piauí e membro do Movimento Ministério Público Democrático". Esses títulos, entretanto, não lhe dão o direito de querer me convencer que os símbolos religiosos não devem ser ostentados nas repartições públicas porque ele assim o diz, principalmente pelo fato de sua argumentação se basear numa síntese histórica repleta de confusões e equívocos, como dizer que Sócrates foi condenado à morte por "desobedecer o deus da cidade" (!!!) ou ainda que "o caso Galileu foi um precedente paradigmático dos conflitos e tensões oriundos dos movimentos transformadores que surgiram na Europa a partir do século XVI".

Mais adiante, na página 22, uma reportagem assinada pelo redator-chefe de Le Monde Diplomatique, Michel Lemoine, adverte que o "golpe de Estado" em Honduras marca o início de uma "nova fase da batalha pelo controle da América Latina", batalha promovida não propriamente pelos Estados Unidos, agora sob o comando do democrata Barack Obama, mas pelos empedernidos republicanos que ainda se encontram encastelados no governo, nas forças armadas e nos serviços de Inteligência do país(*).

A reportagem de Lemoine evidencia que a derrubada de Manuel Zelaya não se deveu a nenhuma tentativa de organizar um plebiscito inconstitucional, mas sim ao fato de o presidente deposto ter-se antagonizado aos interesses da United Brands (ex-United Fruit Company), com o aumento do imposto sobre a exportação de bananas, bem como aos da Chevron, Exxon Mobil e Shell, com a preferência pela compra do petróleo da PDVSA, do coronel Hugo Chavez. A quem Lemoine ouviu para ter acesso a essas inéditas informações? A mais ninguém, além do senhor Rafael Murillo Selva, que nos é apresentado como conselheiro de Zelaya e embaixador de Honduras no Equador. Ou seja, um homem cuja imparcialidade está acima de qualquer suspeita. Sacre bleu!

Não é de espantar que a seguir, em matéria intitulada "O Congo, seus amigos chineses e o FMI", uma jornalista gauche e belga teça loas aos empreendimentos dos herdeiros de Mao na República Democrática do Congo, onde, por razões de cunho meramente humanitário, ajudam os nativos a escapulir à exploração imposta pelo famigerado Fundo Monetário Internacional. O que espanta é um periódico de tão baixo nível arvorar-se ao papel de publicação intelectualizada e desfrutar de um mínimo de credibilidade junto a quem quer seja.

(*) A propósito dessa patacoada sobre os Estados Unidos e a América Latina, recomendo a leitura do artigo Estados Unidos no quiere y Brasil no puede, de Carlos Alberto Montaner, que discute apropriadamente a questão, além de traçar um retrato nada lisonjeiro, mas muito objetivo do Brasil.

http://observatoriodepiratininga.blogspot.com

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