Os “para-políticos” continuam no esquecimento
Mídia Sem Máscara
Plinio Apuleyo Mendoza | 27 Janeiro 2011
Internacional - América Latina
Colômbia: "bastam indícios sem provas para condenar uma pessoa". Um sistema judiciário aparelhado por comunistas jogou vários dos ex-aliados de Álvaro Uribe no cárcere, com provas falsas e ridiculamente forjadas.
Há algum tempo era um pavilhão onde se incineravam leprosos, tuberculosos e doentes mentais. As águas negras dos banheiros eram jogadas em uma vala vizinha, de modo que quando o vento soprava do sul ao norte o fedor era insuportável. As celas se enchiam de moscas, mosquitos e pulgas.
Hoje, embora essas condições sanitárias tenham mudado, o pavilhão ERE sul, situado em um confim afastado de La Picota, continua sendo um Estabelecimento de Reclusão Especial (ERE). É uma antiga construção de dois pavimentos, com celas alinhadas ao longo de seus corredores que se abrem em forma de U, em torno ao formoso jardim no meio do qual se levanta uma imagem da Virgem Maria.
Os que nos dias de sol passeiam pelo prado, em torno dos canteiros de flores, vestidos com roupas informais como se estivessem num domingo em uma fazenda de recreio, já não são os leprosos, tuberculosos ou dementes de outros tempos senão ex-parlamentares, ex-ministros, ex-governadores ou funcionários que ocupavam altos cargos no governo do presidente Álvaro Uribe.
Sua retenção ou sua condenação por delitos relacionados com a "para-política" não costumam ser questionados pela opinião pública.
Primeiro, porque são medidas ou sentenças que provêm de juízes ou da própria Corte Suprema de Justiça, cuja autoridade tem sido tradicionalmente respeitada.
Segundo, porque está bem fincada entre os colombianos a certeza de que os "paras", culpados de delitos atrozes, aproveitaram sua presença e poder em muitas regiões do país para dar apoio a certos candidatos e dirigentes políticos. E, finalmente, porque os meios de comunicação, guiados sempre por um afã de furo de reportagem, raras vezes se dão ao trabalho de explorar os fundamentos de denúncias, detenções e condenações.
Esta coalizão de fatores está permitindo entre nós o reino da injustiça. Os que ingressam no Pavilhão ERE de La Picota acabam em pouco tempo afundados no esquecimento. Dá-se como certo que as razões que os mantêm ali, detidos ou cumprindo uma condenação são válidas. Por algum motivo, antigos parlamentares, governadores e funcionários se encontram ali, costumam pensar os colombianos. "Quando o rio soa, leva pedras", dizem. E para cúmulo, os que levam as de perder são os personagens do Pavilhão ERE que insistem em sua inocência. Em compensação, os autores de massacres e crimes que confessam sua culpabilidade acolhendo-se ao disposto na Lei de Justiça e Paz, estão a ponto de ficar em liberdade graças aos rebaixamentos obtidos.
"Nosso Auschvitz"
Muitos destes esquecidos são vítimas da guerra que se produziu entre a Corte Suprema de Justiça e o presidente Uribe; guerra sem quartel, cujo custo para a justiça foi enorme. Estourou em 2006 e teve como causa as tutelas que a Corte Constitucional aceitava e tramitava contra as sentenças da Corte Suprema. Os magistrados desta última esperavam que o presidente apresentasse uma reforma da Constituição capaz de pôr fim a uma situação para eles vexatória e sem precedentes na história judicial do país. O fato é que Uribe permaneceu fiel à vigência da tutela. E aí foi Tróia!
Convertida em inimiga do presidente, a Corte Suprema pôs em sua mira os amigos do Governo. Como conseqüência de presunçosas disposições da Lei de Justiça e Paz, os que acolhem a esta converteram-se para os meios de comunicação, para a Corte e o Ministério Público, em portadores de revelações incontrovertíveis.
Para não perder nesta guerra nenhuma de suas armas, a Corte Suprema se adjudicou a competência de julgar os que não são parlamentares, contrariando o disposto no Artigo 235 da Constituição que só a autoriza a investigar e julgar os membros do Congresso. E, finalmente, mediante a implementação das teorias de imputação objetiva, tornou extensiva aos congressistas ou ex-congressistas julgados e condenados por sua Sala Penal a autoria dos delitos cometidos pelos para-militares, estabelecendo um arbitrário nexo entre o atribuído concerto para delinqüir com fins eleitorais e crimes de lesa-humanidade que são castigados com 40 anos de prisão, sem levar em conta as debilidades probatórias com que se produziram as condenações.
"Para quem não conhece o que estamos vivendo, este pavilhão é nosso Auschvitz", ouvi Álvaro Araújo Castro dizer, poucos dias antes de que uma segunda esquemia cerebral deixasse sua vida pendurada por um fio e fosse transferido a Valledupar, onde permaneceu vários meses no cárcere desta cidade até que, dados os seus problemas de saúde, lhe fosse concedida a casa por cárcere.
Segundo declarou Francisco Santos na véspera de deixar seu cargo de Vice-Presidente, nos processos destes esquecidos o que parece haver desaparecido é a presunção de inocência. "Bastam indícios sem provas para condenar uma pessoa", disse. E esses indícios limitam-se com freqüência a testemunhos de personagens de duvidosa envergadura moral, quando não de reconhecidos delinqüentes que em alguns casos atuam por vingança e em outros, por dinheiro pago às vezes por narco-traficantes ou por rivais políticos de um candidato interessado em tirá-lo do meio mediante uma denúncia. Também há falsos testemunhos de delinqüentes que buscam rebaixar as penas e obter o tratamento privilegiado de "testemunhas protegidas", às vezes com residência no exterior.
Este último foi o caso de Jairo Castillo Peralta, cognome "Pitirri", quando uma declaração sua, somada a outra igualmente falsa de Mancuso, serviu de base para a detenção do ex-senador Mario Uribe Escobar. Chefe de um bando chamado "Os quatro matadores", que assaltava fazendas em Córdoba e sobretudo na região sucrenha de La Mojana, "Pitirri" declarou que como comandante para-militar (que nunca foi) havia mantido com Uribe duas reuniões: uma em Sahagún, Córdoba, e outra em Caucasia, Antioquia, com o objetivo de adquirir em La Mojana terras a baixo preço, graças a seus assaltos e ao assassinato de proprietários. Embora o vice-fiscal de então, Guillermo Mendoza Diago, tenha podido comprovar que Uribe jamais pisou em La Mojana, nem conheceu "Pitirri", nem adquiriu propriedades lá, o fato escandaloso é que hoje o ex-senador e primo do presidente Uribe permanece detido em La Picota, enquanto "Pitirri" conseguiu com suas mentiras ser enviado ao Canadá como testemunha protegida, e vive lá com 43 parentes seus.
Vingança de um chefe "para"
Seguramente a detenção de Mario Uribe obedece hoje a outra denúncia: o de haver-se reunido com Salvatore Mancuso para formalizar um provável acordo eleitoral com ele e com Eleonora Pineda, a fim de obter o apoio dos para-militares nas eleições do Congresso no ano de 2002. A reunião com Mancuso teve lugar, com efeito, porém não antes de tais eleições senão depois, e obedeceu ao desejo do chefe para-militar de fazer chegar a Álvaro Uribe, então o candidato presidencial com maiores opções de triunfo, uma mensagem relacionada com sua possível desmobilização. O que motivou Mancuso para dar, tempos mais tarde, o falso testemunho que mantém Mario Uribe Escobar detido? Algo que serviu de sustentação em muitas outras falsas imputações: a vingança.
Indignado por ter sido transferido de seu agradável confinamento em El Realito à penitenciária de alta segurança de La Ceja, Mancuso, segundo suas próprias palavras, ameaçou desencadear um tsunami político acusando o atual presidente Juan Manuel Santos, Francisco Santos e Mario Uribe de cumplicidade com os paras. As denúncias contra os dois primeiros foram rejeitadas, mas a Corte deu validade à que envolvia o primo do presidente Uribe.
Desde o momento em que toda suposta confissão de um para-militar ou de um delinqüente comum é vista como uma revelação, a vingança obtém quase sempre resultados. O desejo de se vingar de quem o havia denunciado e levado à detenção, moveu Rafael García a dar um falso testemunho contra seu chefe, Jorge Noguera, diretor do DAS. Igual retaliação empurrou o ex-sargento Segundo Guzmán a apresentar o coronel Hernán Mejía Gutiérrez como aliado dos para-militares. Excelente oficial, condecorado em 1999 como o melhor combatente da América, Mejía Gutiérrez havia mandado deter Guzmán, seu subordinado no Batalhão de Valledupar, quando descobriu que este subtraía cartuchos da guarnição para vendê-los aos grupos armados irregulares.
Hoje, graças a seus falsos testemunhos, os dois delinqüentes estão livres e os que os denunciaram e levaram à prisão continuam detidos.
Dinheiro e prebendas movem outras falsas testemunhas. Quando parecia seguro de que, por falta de provas, o ex-senador Álvaro Araújo Castro ia ser declarado inocente pela Juíza Quinta especializada, o testemunho de última hora dado por uma desconhecida chamada Dioselina Ramírez, que nunca apareceu na etapa de investigação, serviu de sustentação para que a Corte o condenasse a nove anos e quatro meses de cárcere, e a uma multa de 3.700 milhões de pesos, depois da juíza arrebatar competência mediante jurisprudência de aplicação retroativa e sem tê-lo julgado.
Em seu depoimento, Dioselina Ramírez afirmou que alguma vez tinha visto Araújo falando com o irmão de um para-militar, mas também sob juramento aceitou que quem havia tido contato com ela, o magistrado auxiliar da Corte Iván Velásquez (acusando penalmente Araújo de ocultação de provas), havia oferecido enviá-la ao exterior como testemunha protegida se desse este depoimento. Não pareceu importar a Velásquez que contra ela estivesse em andamento uma acusação por homicídio pela qual já se esperava sentença. O caso é que, graças a seu frágil testemunho contra Araújo, Dioselina Ramírez encontra-se hoje no Canadá, como "Pitirri", apesar de ter sido condenada por homicídio.
Outras testemunhas falsas às vezes são movidas por adversários pessoais ou políticos de um senador, pois este maligno recurso converteu-se para alguns aspirantes ao Congresso em uma maneira muito eficaz de eliminar adversários com maiores opções que as suas. Sempre há um delinqüente disposto a depor o que se lhe peça por uma soma de dinheiro.
Diálogos que não existiram
Às falsas testemunhas que merecem o crédito de juízes e magistrados, somam-se erros nos processos investigativos. O mais escandaloso de todos levou ao Pavilhão ERE o senador boyacense Ciro Ramírez Pinzón. Ele jamais imaginou que uma simples e desprevenida chamada ao seu telefone celular fosse a sustentação da denúncia de aliança com os para-militares que o sepultaria no cárcere. Um velho amigo seu, odontólogo em Moniquirá, lhe perguntava se podia apresentar-lhe naquele fim de semana a um conhecido interessado em falar com ele. Ramírez não viu naquele pedido nada inquietante.
O que jamais chegou a suspeitar é que tal chamada telefônica havia sido interceptada pela DIJIN, pois o indivíduo que desejava vê-lo era um provável agente dos para-militares. Por certo, o encontro com ele nunca se produziu. Ramírez não chegou a conhecê-lo. E, por conseguinte, jamais chegou a imaginar então que um dia a revista Semana publicaria nove supostas conversações suas com o presumível para-militar, registradas e cedidas à revista pelos serviços de inteligência. Detido no Pavilhão ERE, Ciro teve que esperar dois anos para que os laboratórios de acústica da DIJIN e seus peritos em fonoaudiologia confirmassem que a voz atribuída a ele não era sua. E algo mais grave: a transcrição de tais gravações havia sido adulterada para colocar seu nome, quando este jamais se tinha ouvido nelas. Trata-se, pois, de uma fraude processual cometida pelos investigadores e não advertido nem sancionado pelo Ministério Público.
Nem por isso Ciro Ramírez recobrou sua liberdade. Restava contra ele a denúncia de concerto para delinqüir, agravado com fins de narcotráfico. Tal acusação provinha de um indivíduo a quem, em outro julgamento, um juiz havia qualificado de "mitômano, drogado e alcoólatra". Ramírez nunca o conheceu. Dizia ter escutado um comentário muito comprometedor dos "paras" a propósito do senador. Pois bem: o tribunal encarregado pela Corte para dar uma sentença sobre o suposto nexo de Ramírez com o narcotráfico, acabou desqualificando-o também por obra de 23 inconsistências em seu depoimento. Ramírez foi finalmente absolvido em 29 de dezembro passado, e é muito provável que a Corte Suprema de Justiça faça outro tanto ao dar sua sentença em torno do suposto delito de concerto para delinqüir, pois a testemunha é o mesmo personagem. O grave é que, em virtude de falsas gravações e de um mitômano, um senador honesto permaneceu três anos na cadeia.
A condenação mais escandalosa
O mais grave é que por obra desta espécie de testemunhas, de falsas imputações e de flagrantes desvarios nos processos investigativos, chegou-se a uma condenação tão escandalosa como a que impôs 30 anos de cárcere ao coronel Luis Alfonso Plazas Vega, com base em duas testemunhas.
A primeira delas, subscrita com o falso nome de Édgar Villarreal, provém, na realidade, de um sujeito chamado Édgar Villamil, que na ocasião era cabo em um batalhão de Infantaria baseado em Granada, Meta. Villamil, que nunca compareceu às audiências, afirmou ter sido enviado a Bogotá com um destacamento do mencionado batalhão quando se produziu a tomada do Palácio da Justiça, e de ter sido testemunha de justiçamentos ordenados por Plazas. Agora bem, nunca houve tal destacamento enviado desde Granada e dois militares que se encontravam lá, o coronel Guillermo Valdés e o sargento Alfonso Velásquez, confirmaram que Villamil havia acompanhado os acontecimentos do Palácio da Justiça em Bogotá com eles pela televisão e pelo rádio, naquele lugar do Meta onde prestavam seus serviços.
A outra testemunha também apareceu 22 anos depois dos fatos. Chama-se Tirso Sáenz e encontrava-se na penitenciária de Cómbita, pagando condenações que somam 102 anos de prisão por delitos tais como: homicídio agravado, concerto para delinqüir, falsidade em documento, etc., quando, segundo ele, lhe foram oferecidos benefícios econômicos e carcerários, se fizesse um depoimento contra o coronel Plazas. Sáenz era cabo do Exército quando ocorreram os acontecimentos do Palácio da Justiça, mas naquele momento encontrava-se preso por furto e, por conseguinte, não pôde ser testemunha de nada.
Quem tinha interesse em pagar tais testemunhos? Não é difícil imaginar: por um lado, os narcotraficantes que foram despojados de muitos de seus bens quando Plazas era cabeça da Direção Nacional de Estupefacientes (DNE) e por outro, os advogados comunistas interessados em configurar crimes de Estado para obter, a favor de seus clientes, milionárias indenizações.
Tal é uma dura e muito perigosa realidade que não pode passar por alto. Os casos citados são apenas alguns quantos ao lado de muitos outros que mostram a mesma fragilidade das inculpações, e a parcialidade de juízes e magistrados.
Quaisquer destas escandalosas brechas se advertem no aberrante caso do general Jaime Alberto Uscátegui, no processo seguido ao general Rito Alejo del Río, nos dos ex-governadores Miguel Ángel Bermúdez, Jaime Bravo Motta ou Salvador Arana, e em outros numerosos detidos do Pavilhão ERE que sustentam sua inocência com sólidas razões.
O caso mais extravagante é o do ex-representante por Vaupés, Fabio Arango Torres, condenado a seis anos de prisão por um vídeo que seus adversários políticos fizeram chegar à Corte, no qual uma indígena diz ter recebido vinte mil pesos [1] por um voto a seu favor.
Haverá maneira de que um Ministério Público, finalmente livre das parcialidades e dos litígios que enfrentaram, a Corte Suprema com o presidente Uribe, revise estes casos? Esta esperança surge agora com a chegada da fiscal Viviane Morales. Por outro lado, a Corte já mostra sinais de uma nova atitude ao reconhecer a inocência dos parlamentares do Tolima, Carlos García Orejuela e Pompilio Avendaño.
O urgente hoje por parte do Ministério Público é abrir de novo, com imparcialidade e rigor, processos que hoje parecem semeados de sombras e dúvidas inquietantes. Os esquecidos do Pavilhão ERE assim esperam.
Nota da tradutora:
[1] Vinte mil pesos colombianos correspondem a R$ 20,00 (vinte reais).
Tradução: Graça Salgueiro
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