Razões de uma tragédia
Mídia Sem Máscara
Percival Puggina | 29 Janeiro 2011
Artigos - Cultura
Nos anos 60, para quem não a conheceu ou esqueceu, a música popular que cativava o país, a MPB, tinha melodia, poesia e elevado valor artístico. E hoje? Hoje nada agrada tanto às massas quanto uma nauseante combinação de ruído, berreiro e baixaria. E todos votam.
Foi na pacata Porto Alegre dos anos 60 que o ambiente criativo e fascinante do Colégio Estadual Júlio de Castilhos me aproximou da política. Saibam os "trabalhadores em educação", sineteiros, panfletários e fazedores de cabeça de hoje, que naquele tempo, naquele colégio ao menos, com bons mestres, formavam-se cidadãos e preparavam-se líderes para a cena política municipal, estadual e nacional. Havia concursos de oratória, de declamação, de contos, de poesias. Debatiam-se ideias, as disputas eram ideológicas e o grêmio estudantil miniaturizava uma democracia constitucional, com governo, parlamento e um órgão judiciário. Creiam-me: Brasília teria muito a aprender com os rapazes e moças do antigo Julinho. Havia honra, respeito e disciplina.
Por que estou, meio século passado, a cavoucar neste baú? Porque me perguntaram outro dia, num programa de tevê, quais as minhas expectativas para a legislatura que se instala agora, em 31 de janeiro. E eu, com esta boca que insiste em dizer o que penso, afirmei sem pestanejar, para espanto geral, que a próxima legislatura será pior do que a precedente. Sustentei que não havia qualquer motivo para ser melhor (de vez que o modelo institucional continuava o mesmo) e que sobravam razões para piorar à medida que a sociedade crescentemente se urbanizava, massificava e o padrão cultural do eleitorado decaía. Exemplificando. Nos anos 60, para quem não a conheceu ou esqueceu, a música popular que cativava o país, a MPB, tinha melodia, poesia e elevado valor artístico. E hoje? Hoje nada agrada tanto às massas quanto uma nauseante combinação de ruído, berreiro e baixaria. E todos votam.
Mas voltemos aos anos 60. Durante a semana, sempre que as tarefas escolares me disponibilizavam horários, lá ia eu de bonde para a rua Duque de Caxias, onde ficava a antiga Assembléia Legislativa. Acomodava-me nas galerias de madeira escura, lavrada, e passava horas (isto lhe parecerá incrível, leitor) deliciando-me com os debates parlamentares! Havia tanta inteligência e cultura no plenário que um rapazinho de 16 anos curtia ficar sentado, ouvindo e aprendendo. Enquanto escrevo estas linhas, pensando em referir alguns dos nomes que desfilavam na tribuna, folheio um livro da Editora Síntese que sumariza dados das eleições realizadas no Rio Grande do Sul entre 1945 e 1978. Lendo as nominatas das diversas bancadas naquela legislatura de 1958/62, desisto do intento. Os mais notáveis, os melhores entre os 55 deputados cujas figuras logo me vieram à mente, eram tantos que resultaria enfadonho mencioná-los. Asseguro aos meus leitores que pelo menos quarenta credenciavam-se aos maiores reconhecimentos. Com todos aprendi naquelas tardes de proveito cultural, formação e informação sobre os temas do Estado. E não era diferente a qualidade dos congressistas que representavam o Rio Grande do Sul na recém inaugurada Brasília.
Dois anos depois, meu pai, Adolpho Puggina, viria ocupar assento naquele plenário, onde permaneceria por quatro legislaturas. Já então, a preparação para o vestibular, a faculdade e a necessidade de trabalhar me furtou a rotina da adolescência. No entanto, lembro-me de ouvir meu pai comentando, anos mais tarde, sobre a decadência da formação e dos padrões de conduta que observava nas sucessivas composições dos parlamentos. Disse-me assim: Percival, bem no começo, nas primeiras legislaturas, quando a gente convidava alguém para concorrer na chapa do partido, ouvia-se frequentemente o seguinte: "Ah! deputado, aquilo não é para mim não. É para gente mais preparada, como o senhor, como o fulano e o beltrano". E prosseguiu: "Hoje, quando convidados a concorrer, muitos pensam assim: se até o sicrano está lá, então eu também posso". Inverteu-se o viés do que antes era uma exigência ascendente. E começou a ruína, a tragédia. O que era respeitável precipitou-se no descrédito.
Resumindo esta leitura dos fatos feita com a luneta do tempo: só se veem razões para que vá piorando. Será cada vez menor o número de estadistas na política nacional em virtude de um modelo institucional que repele muitas pessoas com esse perfil, diante de um eleitorado de padrão cultural cadente, massificado e cada vez mais interesseiro. Mas este último aspecto será objeto de outro artigo, na semana que vem.
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