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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Peña Esclusa: "Chávez não abandonará o poder pela via pacífica"

Mídia Sem Máscara

É óbvio que Chávez tentará se manter no poder desencadeando a violência.

Por estes dias completam-se seis meses da detenção de Alejandro Peña Esclusa por ordem de Hugo Chávez. Nesse 12 de julho, homens da inteligência venezuelana invadiram a residência de Peña Esclusa e o acusaram de terrorista e de manter uma estreita relação com Francisco Chávez Abarca, um bandido salvadorenho. Antes de ser detido, Alejandro Peña havia gravado em vídeo uma declaração sua antecipando a jogada de Hugo Chávez, de montar-lhe uma falsa evidência para pô-lo atrás das grades ou executá-lo.

Hugo Chávez se baseou em duas "provas" para acusá-lo: uma, a suposta confissão de Francisco Chávez Abarca, e a outra, os explosivos tipo C-4 que encontraram em sua casa.

A primeira das "provas", a confissão de Chávez Abarca, jamais pôde-se confirmar por parte da defesa porque o delinqüente foi asilado para Cuba quase que de imediato. A segunda das provas, os explosivos achados na residência de Peña Esclusa, é verdadeiramente absurda. Os organismos de inteligência asseguraram ter encontrado vários quilos deste perigosíssimo C-4 na gaveta do escritório da filhinha de oito anos, María Angélica. Uma menina de oito anos, terrorista... Algo francamente demencial.

Assim, pois, conhecendo de anos e anos a trajetória do novo melhor amigo de Juan Manuel Santos, não é insensato assegurar que isto é uma montagem tosca e pouco inteligente, somente digna de uma mente como a de Chávez. A pergunta que muitos colombianos nos fizemos foi: por que Chávez lhe faz isto?

Periodismo Sin Fronteras (PSF): Senhor Peña, muitos colombianos não conhecem exatamente quem é o senhor, nem por que está na prisão. Pode nos dizer como começa sua luta política e por quê Hugo Chávez o considera tão perigoso?

Alejandro Peña Esclusa (APE): Minha luta contra Chávez começou em maio de 1995, quando ele se inscreveu no Foro de São Paulo, organização que agrupa todos os movimentos de esquerda da América Latina, incluindo as FARC. Lancei minha candidatura à Presidência da Venezuela em 1998 para advertir publicamente que, se Chávez chegasse ao poder, ele entregaria a Venezuela a Fidel Castro e à guerrilha colombiana, como de fato ocorreu.

Levo anos trabalhando intensamente para evitar que o modelo chavista se expanda pela região.

PSF: Todos conhecemos a trajetória de valentia do povo venezuelano, e sua vigorosa oposição aos governantes que não cumpriram com suas expectativas. Por que continuam permitindo que Hugo Chávez permaneça no poder?

APE: Porque nossos líderes opositores não quiseram aceitar esta simples e crua realidade: Chávez jamais abandonará o poder pela via pacífica e eleitoral.

Os partidos opositores insistem em promover única e exclusivamente uma estratégia eleitoral para sair da crise, em que pese Chávez zombe constantemente da Constituição e da vontade popular.

PSF: É realmente preocupante sua análise de que Chávez não deixará o poder pelas vias legais do voto popular. Por que o senhor afirma de maneira tão enfática que não existe uma saída eleitoral à crise venezuelana?

APE: Os governos da ALBA aplicam um método perverso - porém, ao mesmo tempo eficiente - para destruir a democracia desde dentro. Consiste em chegar ao poder legitimamente, pela via eleitoral, e depois se apropriam de todos os poderes públicos, convocando uma Assembléia Constituinte. Além disso, modificam a Carta Magna para poder se perpetuar na Presidência.

Uma vez obtido o controle total dos poderes públicos, se apropriam também do sistema eleitoral, nomeando autoridades submissas, colocando máquinas eletrônicas manipuláveis e tergiversando o padrão eleitoral. Desde o ano de 2002 até hoje, todas as eleições na Venezuela foram fraudulentas.

PSF: Então, o senhor acredita que a única maneira de derrocar Hugo Chávez seria mediante um golpe de Estado?

APE: Não é necessário, nem conveniente recorrer a um golpe de Estado. Nossa Constituição estabelece vias pacíficas, democráticas e constitucionais para conseguir uma mudança de governo quando os caminhos eleitorais forem fechados. Estão contempladas nos Artigos 328, 333 e 350 da Carta Magna [1], que ordenam ao cidadão, civil ou militar, defender a Constituição e desconhecer as autoridades que violem a lei. É o que se chama "desobediência civil".

PSF: Senhor Peña, aqui a desobediência civil é um conceito que não entendemos bem. Poderia nos dar exemplos concretos de como se evidenciaria esta desobediência civil?

APE: A aplicação da desobediência civil para conseguir uma mudança de governo consiste em levar a cabo um protesto pacífico, generalizado, simultâneo e sustentado, até que o governo veja-se obrigado a renunciar.

É muito similar a um plebiscito ou um referendum popular, porém levado a cabo sem votos. Em lugar de mesas eleitorais, há focos pacíficos de protesto. Em lugar de testemunhas e chefes de mesa, há coordenadores de cada grupo que protesta. Em lugar de eleitores, há gente que protesta pacificamente. Em lugar de propaganda eleitoral, há artigos, volantes, mensagens eletrônicas e grafittis, exigindo a renúncia do presidente. Os dois esquemas se parecem, porque ambos são expressões da vontade popular.

A primeira vez que este método foi implementado com êxito na América Latina foi em 19 de abril de 1810, quando os caraquenhos obrigaram o Capitão General espanhol, Vicente Emparan a renunciar, e o mais recente foi em dezembro do ano passado, quando os bolivianos saíram maciçamente às ruas para obrigar Evo Morales a derrogar o decreto que aumentava o preço dos combustíveis.

Nestes últimos anos, este tipo de desobediência civil ou "plebiscito popular" foi utilizado para conseguir mudanças de governos em vários países: De la Rúa (Argentina), Color de Mello (Brasil), Carlos Meza (Bolívia), Abdalá Bucaram (Equador), Alberto Fujimori (Peru) e mais recentemente Manuel Zelaya (Honduras).

No ano de 2005 publiquei um livro intitulado "350" (http://bit.ly/cwBwHZ), no qual explico detalhadamente aos venezuelanos como realizar uma ação exitosa de desobediência civil.

PSF: Mas, o senhor não acredita que este esquema poderia degenerar em violência? Como seria a transição com um esquema deste tipo? Quanto tempo a Venezuela poderia levar para se livrar, por esta via, do jugo de Hugo Chávez?

APE: É óbvio que Chávez tentará se manter no poder desencadeando a violência. Porém, assim como os militares venezuelanos não estão dispostos a dar um golpe de Estado, tampouco estão dispostos a reprimir com violência a civis desarmados que reclamam seus direitos. Depois viria um governo de transição, cuja principal missão seria depurar os poderes públicos - para que recuperem sua autonomia - e convocar eleições manuais, limpas e transparentes.

Isto já ocorreu na Venezuela no ano de 1958, quando uma ação de desobediência civil e militar generalizada provocou a renúncia do ditador Marcos Pérez Jiménez. Depois veio um governo de transição que convocou eleições gerais. Assim começou um longo período de democracia, que foi enaltecido no mundo inteiro.

Creio que uma mudança de governo poderia ocorrer neste ano mesmo, sobretudo se os partidos políticos opositores assumirem de uma vez por todas que não há saída eleitoral para a crise.

PSF: Por que o senhor confia tanto nos militares? A estas alturas das circunstâncias, se poderia assegurar que eles continuam defendendo a democracia? Com estes assessores cubanos, o senhor não teme que o Exército Venezuelano esteja suficientemente doutrinado?

APE: As Forças Armadas estão diminuídas e desmoralizadas, mas não são comunistas, nem sequer os integrantes do Alto Comando. Os generais são oportunistas que se deixam comprar por Chávez, mas nas suas costas riem de seu projeto. Quando Chávez lhes ordenar matar gente inocente e desarmada, vão se negar. Eles sabem muito bem que os delitos de lesa-humanidade proporcionam prisão perpétua e que não prescrevem.

PFS: O senhor não teme ser acusado de golpista por Chávez?

APE: Quando Chávez acusa seus opositores de "golpistas" comete um ato supremo de cinismo, porque desde 4 de fevereiro de 1992, até 17 de dezembro do ano passado - quando se fez aprovar uma Lei Habilitante que lhe outorga poderes para legislar -, ele não parou de dar golpes na Constituição.

PSF: Os Estados Unidos tiveram fortes diferenças com Hugo Chávez. E é evidente que lá eles têm informação da cumplicidade de Chávez com grupos narcoterroristas. Qual a razão pela qual não intervieram, como fizeram no caso de Noriega?

APE: Chávez e o governo dos Estados Unidos mantêm uma relação hipócrita. Ambos se acusam verbalmente, mas a única coisa que realmente lhes interessa é a compra-venda de petróleo.

O suposto anti-imperialismo de Chávez é uma desculpa para justificar a repressão na Venezuela, alegando falsamente que toda forma de oposição é pró-ianque. Porém, Chávez não é anti-imperialista, porque é óbvio que lhe agrada se subordinar ao imperialismo cubano.

PSF: Com relação à Cuba, como é possível que o povo venezuelano permita essa intromissão tão descarada nos assuntos internos da Venezuela?

APE: O povo não aceita esta invasão castro-comunista cubana, porém até agora permitiu, porque o próprio governo a auspicia, a financia, a ampara e a protege com as armas da nação.

PSF: O senhor considera que o G2 cubano também está atuando na Colômbia?

APE: Sem dúvida, auspiciada e financiada por Chávez. Hoje em dia não se pode falar de dois governos diferentes. O regime de Chávez é somente um apêndice da ditadura cubana.

PSF: Qual é sua leitura das declarações e atuações de Juan Manuel Santos ao chamar Chávez de "meu novo melhor amigo" e ao guardar silêncio ante as denúncias que o governo de Uribe fez, sobre os acampamentos das FARC em território venezuelano?

APE: A maioria dos venezuelanos interpreta que as declarações de Santos obedecem a seu interesse de cobrar as dívidas que Chávez mantém com a Colômbia. Porém, com sua atitude complacente Santos não só está ofendendo o povo venezuelano, senão que está alimentando um monstro que poderia causar muito dano aos colombianos.

PSF: O senhor considera que a Colômbia acabará fazendo parte do bloco comunista comandado por Hugo Chávez?

APE: Em que pese os erros que em minha opinião Santos está cometendo, não acredito que isto ocorra porque décadas de luta armada contra as FARC, criaram dentro da Colômbia uma consciência muito clara sobre o que convém e o que não convém ao seu país.

Os colombianos sabem muito bem que Chávez é aliado das FARC, e não cometerão o erro de cair nas garras do Socialismo do Século XXI e de regressar à violência do passado.

PSF: O que o senhor acredita que a Colômbia deva fazer para evitar que nosso país se converta em uma Cuba ou uma Venezuela?

APE: Primeiro, continuar aplicando a política de Segurança Democrática, tal como se aplicou durante o governo de Uribe. E segundo, denunciar o modelo chavista de maneira clara e aberta. Não resta muito tempo ao governo de Chávez no poder. Santos deveria deixar de se congraçar com um regime foragido e moribundo, e procurar se relacionar melhor com o próximo governo.

PSF: O senhor compartilha nossa apreciação de que a Terceira Via de Santos é um eufemismo para o Socialismo do Século XXI?

APE: Não creio que Santos seja realmente um socialista, mas um "relativista pragmático". Me explico. Álvaro Uribe e Roberto Micheletti são presidentes com uma visão "principista", quer dizer, regem-se por certos valores e princípios que não estão dispostos a mudar, porque consideram que são importantes para o bem-estar de suas nações.

Essa visão transcendente lhes proporciona um caráter firme e decidido, que os ajuda a enfrentar forças poderosas com êxito e a transformar positivamente seus respectivos países.

Juan Manuel Santos e Porfirio Lobo, ao contrário, são presidentes que têm uma visão "pragmática", quer dizer, regem-se conforme sua própria conveniência, embora para isso devam abandonar algumas posições e assumir outras contrárias.

É este pragmatismo o que leva Santos a declarar que Chávez é seu "novo melhor amigo", em que pese conhecer com detalhes seus nexos com as FARC. É este mesmo pragmatismo o que leva Porfirio Lobo a fazer gestões sobre o regresso de Zelaya sem ser julgado, embora saiba que ele cometeu graves delitos.

Creio que em Santos e em Lobo existe certa miopia, porque eles não se dão conta das mudanças que estão ocorrendo no continente. Não percebem que o governo de Chávez tem seus dias contados e que a correlação de forças dentro do continente mudará drasticamente nos próximos anos.

PSF: Tendo a oportunidade de viver em outro país, por que decide se arriscar e permanecer na Venezuela, com as óbvias conseqüências de sua prisão?

APE: Eu sabia perfeitamente que, se ficasse na Venezuela, meu destino seria o cárcere e assim o fiz saber a muitos amigos no exterior. Ofereceram-me as facilidades para viver fora mas eu não quis.

A imagem que os venezuelanos têm dos políticos é muito negativa. Pensam que eles não têm interesse no país, senão em obter um cargo público e assim se beneficiar. Decidi enfrentar a prisão, embora seja uma grande injustiça, porque considero que a Venezuela necessita de líderes dispostos a se sacrificar pelo bem da Pátria, como o fizeram muitos dirigentes políticos no passado.

PSF: O senhor acredita que poderá ser Presidente da Venezuela em curto prazo?

APE: Não é momento de pensar em candidaturas presidenciais. Se os dirigentes opositores aceitassem a realidade - quer dizer, que isto é uma ditadura -, não estariam fantasiando com a Presidência, e dedicariam única e exclusivamente a derrotar o tirano.

PSF: Muito obrigado pela entrevista, senhor Peña.

Ficaram muitas perguntas pendentes que esperamos poder formular em breve. Porém, nossa maior pergunta: "Por que Hugo Chávez teme Alejandro Peña Esclusa?", ficou respondida em maiúsculas.

A resposta é simples. Alejandro Peña Esclusa é um intelectual aguerrido e, como intelectual, é temido por Chávez e pelos membros de seu governo. Peña Esclusa vem lutando contra os abusos de poder do governo desde há pouco mais de 15 anos, premiado por organismos internacionais em reconhecimento por sua batalha pela defesa das liberdades e da democracia na América Latina.

Hugo Chávez teme Alejandro Peña Esclusa porque este último é um homem de estatura internacional, capaz de vencê-lo nas urnas (se existissem as garantias reais para eleições justas), no campo do debate das idéias e na transparência de sua vida pública e privada, algo do qual o coronel carece.

Chávez acreditou que confinando-o em uma cela infame, sem luz natural, permitindo-lhe somente uns poucos minutos de sol por semana, ia dobrar o espírito de Alejandro Peña até reduzi-lo ao silêncio mediante o medo e o assinalamento público injurioso.

Mas equivocou-se totalmente. A injustiça o fortalece e seus simpatizantes se multiplicam minuto a minuto ao longo do continente.

Corroboramos. Alejandro Peña Esclusa é um gigante da democracia, um valente que ama seu povo tanto ou mais do que venera a liberdade e a democracia. E nos sentimos honrados de contá-lo entre nossos amigos.


[1] Texto do Artigo 350 da Constituição Nacional da Venezuela: "O povo da Venezuela, fiel à sua tradição republicana, à sua luta pela independência, a paz e a liberdade, desconhecerá qualquer regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democráticas ou menospreze os direitos humanos".

Publicado em Periodismo Sin Fronteras.

Tradução: Graça Salgueiro

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