Talibanismo judicial
Mídia Sem Máscara
Eduardo Mackenzie | 17 Junho 2010
Internacional - América Latina
Nem sequer há indícios sérios, repetidos e concordantes contra o acusado. Esse veredicto tem, ao menos, um lado positivo: ele fará com que milhões de colombianos abram os olhos sobre o que há por trás da crise da Justiça colombiana.
Há alguns dias, uma certa imprensa tratou de nos fazer crer, com ajuda de algumas pesquisas, que Antanas Mockus ganharia no primeiro turno da eleição presidencial. Era uma mentira. Essa mesma imprensa, com a ajuda de uma juíza, trata agora de nos fazer crer que o coronel Luis Alfonso Plazas Vega, o herói da libertação do Palácio da Justiça em novembro de 1985, que resgatou 244 reféns que haviam caído nas mãos dos terroristas, é o responsável pelos "desaparecimentos" do Palácio de Justiça.
Estamos de novo diante de uma grande mentira.
A sentença iníqua mediante a qual uma juíza de Bogotá, María Stella Jara Gutiérrez, condenou em primeira instância ao coronel Plazas Vega a 30 anos de prisão, não inspirará o respeito que normalmente merece toda decisão de justiça em um país democrático, pois essa sentença é a negação do devido processo.
De fato, essa sentença em vez de trazer serenidade, traz incerteza, estupor e amargura ao país. Os legítimos pronunciamentos de altas personalidades do governo, do Estado, da imprensa e da sociedade contra essa sentença, mostram que a Colômbia não está disposta a aceitar essa nova impostura.
Não há justiça sem verdade. Não há direito sem respeito às regras do Direito. O jurídico repousa sobre normas pré-existentes e sobre um procedimento. O jurista Hering dizia que "o procedimento é a irmã gêmea da liberdade". Esses princípios foram pisoteados no processo do coronel Plazas Vega.
A sentença da juíza Jara é aberrante, pois não há nela correlação alguma entre a selvagem sanção imposta e a prova da culpabilidade. É inaudito porém é certo: o coronel Plazas Vega foi condenado com base em nada. Na sentença não se encontra nem confissão do acusado, nem a prova irrefutável de que ele tenha cometido o delito que lhe reprova a juíza. Onde está a prova material irrefutável de que ele ordenou, ou de que ele realizou pessoalmente o "desaparecimento forçado agravado" de algumas pessoas? Em nenhum lugar.
Na sentença de 302 páginas não há o menor rastro de uma prova nesse sentido. De uma prova certa, verdadeira, franca. Só há conjeturas e especulações duvidosas do advogado da parte civil, as quais são acolhidas pela juíza. Esta aceita como provas e finca sua decisão final sobre testemunhos espúrios, repudiados pelo Ministério Público e pela defesa.
Nem sequer há indícios sérios, repetidos e concordantes contra o acusado. O que há certamente são elucubrações no ar, suposições, deduções e teorias insólitas. Sobretudo deduções gratuitas, sem suporte material, nem baseadas em fatos comprovados.
Esse processo não buscava a verdade judicial. Buscava demonstrar uma tese e destruir física e moralmente o acusado. Nunca houve ali eqüidade, nem garantias para a defesa. A instrução não conseguiu provar que Plazas Vega tivesse algo a ver com os chamados "desaparecidos" do Palácio da Justiça.
Por isso a Procuradoria e a defesa do Coronel pediram que o acusado fosse absolvido. Por isso o Procurador Geral da Nação e o advogado do Coronel anunciaram que interporão o recurso de apelação contra essa sentença.
Os que responsabilizam o coronel Plazas e outros militares pela tragédia do Palácio da Justiça tiveram 25 anos para investigar esse assunto e para conseguir provas sólidas. Onde elas estão? Não estão, em todo caso, nas mãos da juíza, pois esta não as apresentou na sentença.
Esses acusadores, que dizem buscar a verdade, negam-se a pedir que se investigue os ex-membros anistiados do M-19 que detêm, muito provavelmente, muitas verdades acerca do crime horrível que o M-19 cometeu nesse dia. Pois não lhes interessa saber quem é o verdadeiro e único responsável por essa tragédia. Só querem, com o processo contra os militares, golpear o "inimigo de classe", os defensores do Estado e do governo legítimo.
Eles não podiam encontrar nada pois se afastaram da única investigação séria que se fez deste triste episódio: a do Tribunal Especial de Instrução, o qual assinou seu excelente informe em 31 de maio de 1986. Essa investigação, realizada por dois eminentes magistrados, Jaime Serrano Rueda e Carlos Upegui Zapata, com a ajuda de dez juízes de instrução, afirma que não houve desaparecidos no Palácio de Justiça, que "os chamados desaparecidos pereceram no holocausto", que essas vítimas do terrorismo "foram consideradas desaparecidas porque seus cadáveres não foram identificados", pois seus restos foram encontrados em um alto grau de carbonização que impediu toda a identificação nesses meses e nos anos seguintes.
Esse informa reitera que "existe um grupo de cadáveres que necessariamente corresponde aos desaparecidos". O informe conclui isto: "O Tribunal considera que existe prova suficiente no sumario para concluir que tais pessoas faleceram no quarto andar aonde foram conduzidos como reféns nos primeiros momentos dos acontecimentos".
A investigação da Fiscalização se afastou desse enfoque por motivos ideológicos, pois havia que provar que os militares "desapareceram" uma parte dos reféns libertados. Entretanto, nada prova até hoje que isso não havia sido assim.
Essa condenação de 30 anos foi tomada por uma juíza, não por um tribunal. O colegiado, em direito penal, é essencial. Só um tribunal pode abordar um processo desde o começo sem prejuízos e decidir com conhecimento de causa. "O colegiado é uma garantia de boa justiça, pois um homem só não pode discernir com folga o julgamento que convém dar", diz a professora francesa de Direito, Marie-Anne Frison-Roche.
A fiscal e a juíza tiveram mais de três anos para buscar a verdade e não a encontraram, apesar de que gozaram de todas as garantias e tiveram em suas mãos todas as alavancas (e até abusaram delas) para achar a verdade. Porém, não acharam. Queriam realmente achá-la? Uma pessoa havia sido designada como um culpado desde o começo da instrução. Tratava-se de impulsionar um julgamento político de escarmento contra um símbolo das Forças Armadas, para semear o terror entre as Forças Militares e da Polícia da Colômbia, e para fazer uma exibição de força.
Esse veredicto é monstruoso pois condenou-se um inocente. Esse veredicto tem, ao menos, um lado positivo: ele fará com que milhões de colombianos abram os olhos sobre o que há por trás da crise da Justiça colombiana.
Para atribuir ao Coronel Plazas a responsabilidade do crime, a juíza acudiu ao implante absurdo de uma discutida teoria chamada de "autoria mediata", pois a fiscal havia compreendido que não podia culpar Plazas como autor próprio de um crime. A fiscal optou pela via indireta: o acusou de ser "co-autor impróprio".
Porém, a juíza rechaçou esse enfoque e optou por uma teoria trazida dos cabelos que consiste em dizer que pode-se atribuir responsabilidade penal a uma pessoa que não cometeu delito penal. A cômoda teoria, que pode servir para tudo, sobretudo para cometer os piores abusos judiciais como no caso do Coronel Plazas, diz que essa pessoa pode ser vista como responsável por um crime pelo fato de ter feito parte da "estrutura organizada de um poder". Essa noção não existe no direito positivo colombiano. É um desenvolvimento recente e questionável e que não é aplicado pelos países democráticos por seus graves inconvenientes. Essa teoria pouco clara pretende que pode-se imputar a "autoria mediata" de um crime a uma pessoa que não o cometeu, ou que não interveio diretamente na execução do crime, porém que "dominava a realização do crime servindo-se de um aparato de poder".
A juíza trata de mostrar os méritos dessa teoria dizendo que o jurista alemão Klaus Roxin, inventor da mesma em 1963, conseguiu incorporá-la "à dogmática penal a partir do caso Eichmann". A juíza cala um fato. Essa teoria não foi utilizada no processo de Adolf Eichmann, realizado dois anos antes do famoso invento de Roxin. O tribunal israelense condenou à morte o verdugo nazi, pois provou de maneira ordinária, clássica, a responsabilidade deste na Solução Final, sem valer-se de teorias curiosas.
Porém, inclusive para aplicar a teoria Roxin é necessário provar, ao menos, que o responsável ordenou o cometimento do delito. No caso do Coronel Plazas essa ordem não foi jamais provada.
Em todo caso, o uso dessa teoria e a evocação do caso Eichmann na sentença do Coronel Plazas, mostra um a priori ideológico, uma atitude militante e não imparcial da juíza. Ela considera de alguma maneira que a ação do Coronel Plazas em defesa do Palácio da Justiça, assaltado de maneira sangrenta por terroristas marxistas, e em defesa de um regime democrático e eleito pelo povo em eleições livres, é da mesma natureza que os crimes dos nazistas.
Disso se depreende outra conclusão: os outros militares cujos processos estão em curso pela defesa que fizeram do Palácio de Justiça, e as outras pessoas que querem atrair para esta farsa, serão vistos pela juíza e seus aliados também como nazistas irrecuperáveis (o que era Eichmann) e sofrerão sentenças aberrantes graças à aplicação da peregrina teoria da "autoria mediata".
O curioso é que a juíza Jara não pensa um minuto em aplicar essa mesma teoria para deter e levar à julgamento os chefes do M-19 anistiados, que detêm os segredos do que ocorreu no Palácio da Justiça e das outras atuações criminais do M-19.
Os primeiros que deveriam estar decepcionados com essa sentença são os familiares das pessoas que pereceram por causa do ato terrorista cometido pelo M-19 e que ainda não foram identificados, pois a investigação da Fiscalização e a sentença de primeira instância, não lançaram luz sobre o paradeiro dessas pessoas.
A juíza Jara continua negando a esses familiares a prática de uma prova de DNA aos restos não identificados. Isso poderia trazer a verdade à superfície. Tal prova poderia confirmar o que disse o Tribunal Especial de Instrução: "os chamados desaparecidos pereceram no holocausto".
Tradução: Graça Salgueiro
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