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sábado, 18 de dezembro de 2010

A síndrome da mulher de Lot

Mídia Sem Máscara

Nivaldo Cordeiro | 17 Dezembro 2010
Artigos - Movimento Revolucionário

A oposição ao PT precisa fazer movimentos defensivos para não deixar o Brasil mergulhar no caos, mas sem ter ilusão de que a ala social-democrata seja alguma forma de redenção. Não é.

"Quem há de chorar por essa mulher?
Não é insignificante demais para que a lamentem?
E, no entanto, meu coração nunca esquecerá
quem deu a própria vida por um único olhar
".
Anna Akhmátova

As forças que de fato estão na oposição no Brasil, os liberais e conservadores, estão em sua maior parte fora dos partidos políticos oficiais. Estão dispersas e são minoritárias porque não estão unidas. Elas é que representam a alma coletiva brasileira, apegada que é aos valores tradicionais e à ética liberal-conservadora. A revolução gramsciana em cinqüenta anos conseguiu distorcer a burocracia estatal e os partidos políticos, de tal sorte que a chamada direita foi expulsa do debate político e da representação.

Um enigma está colocado para os cientistas políticos: como interpretar o elenco de forças que controla o Parlamento e os poderes executivos nas diferentes esferas de governo? Eu tenho me empenhado para mostrar que a teoria deVoegelin sobre o movimento revolucionário pode perfeitamente bem ser aplicada ao Brasil. Voegelin mostrou que as forças revolucionárias normalmente são compostas por dois pólos. De um lado, os jacobinos, que puxam o processo e mais das vezes triunfam. Na esteira da sua vitória vem o caos, porque a mente revolucionária não tem como se adequar ao real. Foi assim na Revolução Francesa, na Russa e em toda parte. Então surge o outro pólo, "conservador", que põe ordem ao caos sem, todavia, perder a sua condição de membro da revolução.

No Brasil os jacobinos estão no PT e nas tendências à esquerda do PT, que clamam pela imediata implantação do "verdadeiro" socialismo. Essas forças auxiliares são o PSOL, o PCdoB e assemelhados. Têm a urgência dos jacobinos e a radicalidade dos puros revolucionários. O pólo considerado conservador está concentrado no PSDB e no PMDB, as instâncias que, nascidas da mesma mente revolucionária, não perderam de todo o princípio de realidade e funcionam como freio para que a esquizofrenia jacobina não jogue o país no caos e na guerra civil.

É da mais absoluta importância compreender a dialética estabelecida entre os dois grupos políticos para que os opositores dispersos saibam o que estão fazendo. Apoiar José Serra na recente eleição presidencial era a única opção racional, mesmo que saibamos que ele mesmo nasceu do movimento revolucionário e que, em algumas teses, está à esquerda de Lula. Da mesma forma, foi essencial que houvesse segundo turno, sob pena dos jacobinos sentirem-se fortalecidos para o salto final da sua aventura revolucionária.

Eleger Geraldo Alckmin em São Paulo teve a mesma importância. Na verdade, os opositores precisam fazer movimentos defensivos para não deixar o Brasil mergulhar no caos, mas sem ter ilusão de que a ala social-democrata seja alguma forma de redenção. Não é. Ela é apenas um freio para que alguma forma de ordem prevaleça e a vida prática não seja inviabilizada pelas tolices políticas tornadas força de lei.

Aqueles conservadores que olham o passado revolucionário de gente como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e quejandos e apontam o dedo dizendo que são iguais ao PT estão desesperadamente errados, porque sofrem o que chamo de "síndrome da mulher de Lot", só olham para o tempo passado. É preciso agir politicamente olhando para frente. Como nos conta o Gênesis, a mulher de Lot foi petrificada em uma estátua de sal por olhar para trás, contrariando ordens expressas de Deus. O que importa é o devir.

Objetivamente o PT e o PSDB diferem grandemente, dentro das suas semelhanças. O PSDB não tem o ímpeto mudancista e contrário ao direito natural como tem o PT. Basta ver os temas salientados na última campanha eleitoral, como o da liberdade de imprensa, do aborto, das relações internacionais. O equilíbrio político que emergiu das eleições não permitirá ao PT avançar na agenda transformadora. Não tem maioria no Senado e não tem os governos dos principais estados federados, como Minas Gerais e São Paulo.

Esse equilíbrio permitirá que as verdadeiras forças de oposição tenham tempo para se organizar e produzir a ciência política necessária para se tornar uma verdadeira alternativa de poder. Sem esse equilibro entre os pólos opostos do movimento revolucionário o Brasil poderia facilmente cair no caos de triste memória, em todos os lugares em que os jacobinos não tiveram um freio para suas alucinações políticas. Melhor que seja assim.

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