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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Ainda sobre princípios

Mídia sem Máscara

26 dezembro 2008
Editorias - Cultura, Economia, Estados Unidos, Política

“Those are my principles, and if you don’t like them… well, I have others.”

Groucho Marx

Num debate recente entre amigos sobre a viabilidade de aplicação das receitas econômicas liberais no combate à crise que ora se instala no mundo, um deles fez uma análise curta, porém incisiva e inquietante, especialmente numa roda supostamente liberal. Disse o nosso amigo:

“O liberalismo é uma utopia materialista que faz uma escolha inversa à do socialismo (…), mas ambas são só utopias, reduções da riqueza da realidade insuficientes para propor algo funcional.”

Esta é, sem dúvida, uma boa questão. Há muita confusão a respeito, pois se confunde o que seja uma doutrina com modo de organização econômico e social. O liberalismo é, resumidamente, uma doutrina, ou seja, um conjunto coerente de idéias e princípios, baseado na defesa intransigente da liberdade individual, nos campos político, econômico, religioso e intelectual. Por conseguinte, contra ingerências e atitudes coercitivas de terceiros, inclusive e principalmente do poder estatal sobre as escolhas individuais.

Como qualquer outro constructo da inteligência humana, o liberalismo é, portanto, uma representação abstrata ou, segundo Max Weber, um tipo ideal, uma sinopse conceitual. Ao contrário do socialismo, entretanto, ele não se pretende um modelo de organização social, pois se insere no modelo capitalista – daí a enorme necessidade de defendermos o capitalismo, ainda que isso muitas vezes pareça uma atitude, digamos, politicamente contraproducente.

Sempre que se quiser transformar, equivocadamente, o liberalismo num modelo de organização social, ele será, sim, uma utopia. A luta de um liberal é, conseqüentemente, por um modelo capitalista que seja o mais livre possível, dentre as inúmeras gradações que o capitalismo comporta.

Dito isso, acredito que um liberal deve ater-se muito mais a idéias e princípios, e muito menos a objetivos políticos imediatos, por mais que isso possa desgostar algumas pessoas mais – digamos – pragmáticas. O poder não deve ser o nosso objetivo, até porque um governo puramente liberal é um oximoro.

A exemplo de determinadas correntes conservadoras, alguns dos autoproclamados liberais, especialmente os mais avessos ao epíteto “radical”, sustentam que nós não deveríamos amedrontar os leigos com tanta “ortodoxia”; acham que poderíamos, por exemplo, evitar certos programas e princípios do liberalismo na sua totalidade, notadamente alguns cuja consecução se choca com aquele “humanismo” mais rasteiro, tão ao gosto dos nossos adversários da esquerda.

Esses “liberais” costumam, nos momentos de crise, abraçar com entusiasmo programas oportunistas, que se concentram apenas nos efeitos visíveis e imediatos, muitas vezes fazendo concessões absurdas ao estatismo, como demonstra o recente apoio de alguns a medidas intervencionistas, sempre sob o pretexto de suavizar os efeitos da crise atual. O presidente Bush, por exemplo, em entrevista há poucos dias, chegou a pedir desculpas por “ter sido obrigado” a abandonar seus princípios para, segundo ele, “tentar salvar a própria economia de livre mercado”. Como se praticar um ato intrinsecamente mau pudesse ser um atalho para se alcançar o bem. Quantas atrocidades já não se praticaram no mundo em nome de ideais superiores?

Como bem frisou Milton Friedman, “se observarmos cada problema à medida que surge, quase sempre nos depararemos com fortes pressões políticas para ‘fazer algo’ em relação a ele. Isso acontece porque os efeitos diretos e imediatos das soluções propostas são claros e óbvios, enquanto os efeitos indiretos são remotos e complicados”. Acrescente-se a isso o fato de que quase sempre haverá grupos de interesse organizados com argumentos contundentes a favor de uma medida em particular (vide o caso do salvamento das três montadoras de Detroit), enquanto seus opositores são dispersos e desorganizados, e os efeitos de longo prazo difíceis de vincular.

Ademais, é um contra-senso pensar que a receita econômica liberal serviria apenas para criar e multiplicar riquezas em períodos de paz e prosperidade, sendo inviável em tempos de crise, quando a intervenção do Estado seria bem-vinda. Definitivamente, não é uma atitude liberal preocupar-se somente com as conseqüências imediatas de quaisquer medidas, considerando apenas o senso comum e a “necessidade” política inelutável de encontrar soluções mágicas e instantâneas, sempre impostas através da lei – leia-se: da coerção – para os problemas econômicos e sociais.

Autor: João Luiz Mauad

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