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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Advogados, juízes e cartéis

Mídia Sem Máscara

Há mais ou menos um século, advogar era um ofício livre. Hoje, não basta ser bacharel em direito. Deve-se sujeitar ao crivo de uma corporação de ofício.

Há quem diga que advocacia no Brasil é profissão liberal. Ledo engano. Lima Barreto estava certo quando denunciava os bacharelismos inúteis que faziam do Brasil ser o famoso país dos Bruzundangas. E mesmo no começo do século XX, a advocacia ainda era uma profissão genuinamente livre, onde se podia militar mesmo sem diploma de bacharel em direito. A salvação do Brasil daqueles tempos era não ter muitas universidades disponíveis. Um dos maiores juristas daquela época foi Evaristo de Morais, um rábula criminalista, que dentre tantos ofícios, defendeu o assassino de Euclides da Cunha. Conseguiu absolvê-lo. Depois de mais de vinte anos de advocacia, o notável rábula tirou seu diploma de bacharel em direito.

Se o pequeno romance dos Bruzundangas já denunciava a mazela do bacharelismo rasteiro que empobrece os ofícios e restringe o mercado, pode-se dizer que estamos no auge dele. Cada vez mais sindicatos e demais grupos organizados impõem exigências legais para o exercício cada vez mais limitado das profissões. A advocacia não foi diferente. Como não o é o curso de história, de filosofia, de economia e também as exigências legais de mestrado, doutorado, etc, nessas áreas.

Mas, voltando à advocacia, a "profissão liberal" é, na verdade, um cartel de alguns escritórios e famílias notáveis no direito, junto com uma legião de bacharéis e advogados atomizados, cuja concorrência é devastadora. Não é por acaso que os advogados de pequena monta, impossibilitados de concorrerem no mesmo nível dos grandes escritórios, tornam-se "sócios", para não exigirem obrigações trabalhistas. Na verdade, é uma relação trabalhista disfarçada de relação societária. Os direitos trabalhistas são caríssimos e até impagáveis, sob determinados casos. E os advogados mais afortunados não brincam em serviço.

Outros aspectos que dificultam essa concorrência é a lentidão da justiça na legislação. Qual escritório de advocacia de pequeno porte segurará processos que duram dez ou vinte anos? O excesso de leis e de burocracia afunila o direito e o acesso à justiça. Querendo ou não, justiça brasileira é muito cara! Por outro lado, há o tráfico de influência de um número pequeno de advogados, que detém a proeminência em relação a juízes e fóruns, além de cartórios. O segredo do sucesso do advogado no direito brasileiro é a amizade, o conchavo, as boas relações com os círculos da magistratura e do funcionalismo público. É o velho patrimonialismo brasileiro, que persevera nos costumes jurídicos. É bem verdade que o concurso público profissionalizou e melhorou a qualidade dos serviços, tornando os quadros funcionais mais impessoais. Todavia, a mania patrimonialista dos favores permanece, enfrentando as dores do tempo.

Não se pode criticar ao todo o patrimonialismo. Ele é a resposta para uma tradicional anomalia da burocracia estatal e da legislação brasileira. Quanto mais leis inúteis e burocratas de má vontade, mais o jeitinho de fugir deles. Não se pode culpar totalmente o expediente do advogado esperto. Procurar parentes e amigos para fugir do lugar comum da papelada inútil e do funcionário hostil é a única solução viável dentro do turbilhão caótico dos fóruns. O problema é entender a psicologia desse povo. Divulga-se a idéia mágica de que a solução para se resolver esses problemas burocráticos é criar mais leis e burocracia. No final das contas, o causídico médio foge das leis vigentes que defende na teoria.

Já vi muito advogado talentoso afirmar que o problema da justiça brasileira é a "preguiça" da magistratura ou a "falta" de mais juízes e funcionários. Até certo ponto, a história da preguiça é um dado verdadeiro. Os juízes só querem trabalhar alguns dias da semana e não estão dando a mínima para a papelada jogada no depósito dos fóruns. Muitos deles, de plano, fazem questão de arquivar muitos processos, para poupar serviços. O ódio entre advogados e juízes é mútuo. Os advogados, desesperados por uma sentença que dura anos para sair, infernizam os magistrados rabugentos por mais trabalho. E os juízes se escondem em seus gabinetes, repassando a batata quente aos assessores, que na maior má vontade e cara de pau, dizem aos advogados que seus chefes não se encontram mais em seus recintos.

Se não bastasse a sociedade cartorial que representa a advocacia atual, existem as provas da OAB, estranha bizarrice digna das guildas medievais. Há mais ou menos um século, advogar era um ofício livre. Hoje, não basta ser bacharel em direito. Deve-se sujeitar ao crivo de uma corporação de ofício. A justificativa é a qualificação profissional do advogado e a fiscalização da prática jurídica. Na prática, porém, apenas reserva de mercado, para restringir o livre exercício da profissão. Daí o estranho costume de muitos bacharéis prepararem suas petições e pedirem assinaturas de seus colegas advogados registrados na OAB. Anomalia criada pelo simples fato de que a advocacia se tornou o monopólio de uma categoria diminuta e privilegiada de pessoas, enfurnada numa guilda moderna. O advogado da OAB, por assim dizer, não é um profissional liberal, mas uma aberrante criatura paraestatal.

Não são poucas as vezes em que penso em fugir dessa sina. Minha vida ideal seria a academia, a universidade. Mas, tal como na advocacia, a vida acadêmica também é um cartel. O Brasil ainda é um país mercantilista. O capitalismo não chegou aqui.

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