A lógica do polvo
Mídia Sem Máscara
Percival Puggina | 17 Julho 2010
Artigos - Economia
Todas as previsões a respeito dos benefícios da Copa haviam sido superestimadas; a publicidade em torno do país foi o principal ganho; e os resultados serão benéficos apenas no longo prazo.
Embora apreciador do bom futebol e torcedor do meu Inter, sempre me pareceu que futebol fosse jogo de azar. Só por isso, supunha, era possível haver loteria com base nesse esporte. Pois eis que enquanto jogadores, técnicos e profissionais da mídia esportiva dedicavam-se, diuturnamente, a deslindar as incertezas e mistérios da disputa travada na África do Sul, um simples polvo matou a charada tornando tudo previamente sabido. A lógica do futebol é a lógica do polvo.
Ao longo dos últimos trinta dias, mais preocupado com o Brasil do que com a África do Sul, acompanhei o noticiário internacional a respeito dos negócios e do fluxo turístico naquele país. Afinal, dentro de quatro anos, seremos nós os bem-aventurados hospedeiros do empreendimento da FIFA. Desde o início, as informações que obtive foram me surpreendendo. Assim, por exemplo, fiquei sabendo que a África do Sul recebe duas vezes mais turistas do que o Brasil. Em números redondos, todo ano vêm cinco milhões para cá e vão dez milhões para lá. As estimativas iniciais do governo sul-africano (que gastou US$ 5,2 bilhões no evento) apontavam para um fluxo adicional, determinado pela Copa, da ordem de 750 mil turistas, com um gasto per capita de US$ 4 mil.
Esses números foram caindo até baterem no piso de 250 mil turistas nas estimativas de meados de junho, mas fecharam um pouco acima dos 300 mil. Os especialistas, todavia, apontam a ocorrência de um simultâneo refluxo do turismo regular, ou seja, certo número de pessoas que normalmente visitaria o país nesta época deixou de fazê-lo em virtude das alterações de rotina e de preços determinadas pela Copa. Resumindo, o Departamento de Assuntos Internos da África do Sul informou que no período entre 1º de junho e 1º de julho entraram 1.020.321 turistas, contra 819.495 no mesmo período do ano passado. Saldo positivo final: 200 mil visitantes a mais e algo como US$ 1 bilhão gastos por eles no país. Mesmo antes da divulgação desses dados, o trade turístico sul-africano já convergira para alguns consensos: a) todas as previsões a respeito dos benefícios da Copa haviam sido superestimadas; b) a publicidade em torno do país foi o principal ganho; e c) os resultados serão benéficos apenas no longo prazo.
A dúvida que me ocorre levar às considerações do polvo se refere à efetiva conveniência de que países com severos problemas sociais, como África do Sul e Brasil, despendam pesadíssimos recursos públicos (já se fala que aqui se gastará pelo menos o dobro do que foi gasto na copa africana) para colher resultados pequenos no curto prazo em nome de ganhos imponderáveis num futuro remoto. Note-se que os investimentos privados serão pouco expressivos porque a iniciativa privada não faz investimento para trinta dias.
As alegações de que os gastos em infraestrutura serão benéficos e produzirão resultados permanentes fazem todo sentido. O que não faz sentido é a necessidade de se enfrentar as despesas específicas exigidas para um evento de 30 dias, como "condição" para investimentos adicionais, estes sim necessários e permanentes. Assim: preciso adquirir um imóvel, mas para viabilizar isso vou comprar também um carro novo. Patrocinar a Copa, dar-se o país aos luxos e requintes demandados pela FIFA, me parece uma forma de gastar mais para obter algo que se conseguiria por menos. Gostaria de estar errado e muito apreciaria se o polvo, ou alguém por ele, me fizer prova disso. Mas advirto, os números da África do Sul não o ajudarão.
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