A “cultura” do suicídio na China
Mídia Sem Máscara
Claudia Gutiérrez Ercasi | 08 Maio 2011
Internacional - China
Há evidência clínica que indica que após um aborto podem se apresentar atitudes suicidas devido à dor da perda e a depressão. Além disso, a preferência pelo varão nas zonas rurais leva ao infanticídio e ao aborto seletivo de meninas. A doutrina de Confúcio, como filosofia e religião, é a influência cultural mais importante da China. A atitude para a morte, inclusive o suicídio, tem a ver com virtudes confucianas.
O aborto está fortemente associado ao incremento de suicídios
56% das mulheres que se suicidam no mundo são chinesas. Uma média de 280.000 pessoas tiram a própria vida a cada ano no país (uma morte a cada dois minutos), das quais mais de 150.000 são mulheres, segundo dados do Ministério da Saúde chinês.
O gigantesco país asiático, que acolhe 20% da população mundial (1.260 milhões de habitantes), registra um quarto do total de suicídios no mundo e é um dos poucos países onde o índice é superior na mulher. Trata-se da quinta causa de mortandade na China e a primeira entre as jovens de 15 a 34 anos que vivem em zonas rurais.
Liu, de 18 anos, havia tentado se suicidar cinco meses antes porque seus superiores decidiram ampliar seis meses mais sua condição de aprendizagem em uma fábrica de porcelana. Para ela representou uma humilhação. Sua supervisora a acusava de não trabalhar de forma independente e de andar sempre discutindo com as outras companheiras. Na véspera de sua morte, a supervisora voltou a repreendê-la e desta vez sua irmã interveio para defendê-la, o que aborreceu ainda mais sua chefe que chegou a dizer: "Sim, eu me mostro hostil com sua irmã e embora tente se suicidar de novo para me ameaçar, não me importa". Liu apareceu sem vida na manhã seguinte.
Assumido na cultura. Recurso não mal visto
Nunca, até agora, o governo chinês havia prestado atenção a este grave problema, e só muito recentemente se começou a estudar as causas que levam a cada ano dois milhões de pessoas a tentar acabar com sua própria vida (das quais 1.5 são mulheres). Uma das razões é que o recurso ao suicídio esteve, ao longo da história, muito enraizado na cultura e nos valores do país. Não existe um tabu social ou religioso que o proscreva. Na cultura oriental, tirar a própria vida considerou-se uma forma de expressão em si mesma, "um protesto em silêncio", enquanto se despreza a exteriorização das emoções.
A dimensão do drama, agora qualificado como problema sanitário de primeira ordem, levou as autoridades a traçar o Plano Nacional para a Prevenção do Suicídio, que será implementado dentro de dois anos. Na iniciativa intervirão a Organização Mundial da Saúde (OMS) e experts internacionais como Michael Phillips, diretor executivo do Centro para a Investigação e Prevenção do Suicídio (CIPS) da capital chinesa.
São múltiplos os fatores sociais, filosóficos e históricos que intervêm nesta cultura do suicídio. Por uma lado, a China vive desde 1978 um acelerado desenvolvimento econômico que trouxe consigo mudanças radicais à vida da população. Marés de migração do campo para a cidade, política de um só filho, fechamento de centenas de empresas estatais, desemprego, fim dos benefícios sociais e do trabalho de uma vida inteira, liberalização da maior parte dos setores econômicos e crescente cultura do consumo e do dinheiro.
O problema agrário
Estas mudanças, que na teoria afetaram mais a vida nas cidades, não se refletiram do mesmo modo no que se refere ao suicídio da mulher. Enquanto a mulher urbana aceitou a restrição do filho único em favor de uma melhor qualidade de vida, maiores recursos e oportunidades, no campo os filhos contribuem para a economia familiar e são o fundamento das mesmas.
Para Phillips, que explica este fenômeno, a chave está na enorme influência do controle da natalidade sobre o suicídio na mulher rural.
No campo, os casais podem solicitar permissão para um segundo filho se o primeiro é menina, e são os funcionários do gabinete local para o controle da natalidade que estabelecem o momento adequado para a gravidez a partir de quotas regionais. O aborto está fortemente associado ao incremento de suicídios. Há evidência clínica que indica que após um aborto podem apresentar-se atitudes suicidas devido a dor da perda e a depressão, e a mulher chinesa se vê pressionada a abortar quando não consegue evitar gravidez não desejada. Além disso, a preferência pelo varão nas zonas rurais leva ao infanticídio e ao aborto seletivo de meninas.
Por outro lado, no entorno rural continuam-se arranjando casamentos entre famílias e persiste a submissão da mulher a seu pai, primeiro, e a seu esposo e sogra, depois. A mulher abandona sua família para passar à do marido, à qual contribui com seu trabalho, os filhos e o cuidado dos mais velhos (daí a preferência pelo filho varão). A isto soma-se uma escassa alfabetização, falta de oportunidades e pouca auto-estima. Segundo estimativas, ao menos 40% das mulheres casadas sofre algum tipo de violência por parte do marido.
A preferência pelo varão gerou um profundo desequilíbrio, dado que para cada 100 mulheres da última geração, há 120 homens. Isto levou ao comércio de mulheres, que são raptadas por bandos organizados. Os camponeses solteiros pagam entre 250 e 500 euros por uma jovem e, embora não haja cifras exatas, calcula-se que a cada ano vendem-se dezenas de milhares. Algumas conseguem escapar, porém lhes dá tanta vergonha que muitas vezes não voltam para sua família. Uma enorme pressão psicológica.
E um último fator, embora não menos alarmante. Há já uma década falava-se do filho único como uma "bomba de relojoaria". Estes jovens estão submetidos a um tremendo stress em seus estudos. Sofrem uma pressão permanente por parte de seus pais e avós, que põem em seu futuro acadêmico todas as suas esperanças, ao mesmo tempo que os protegem em excesso. Isto converte-os em pessoas incapazes de assimilar fracassos ou desenganos amorosos, o que explica muitos suicídios entre a população jovem.
Fonte: Forum Vida
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