Sem provas mas com teorias
Mídia Sem Máscara
Eduardo Mackenzie | 19 Maio 2011
Internacional - América Latina
A esse estado de confusão jurídica e moral, e de ódio fanático pelas instituições democráticas, sobretudo pelas Forças Militares da Colômbia, chegaram alguns membros do ramo judiciário.
Acabo de ler as 361 páginas da sentença assinada pela juíza María Cristina Trejos Salazar. Queria saber em quê ela se baseia exatamente para condenar o general (r) Jesús Arias Cabrales a 35 anos de prisão, pelo delito de "desaparecimento agravado" de onze pessoas.
Examinei desde a primeira até a última palavra desse texto intrincado e repetitivo. O que descobri é assombroso: nesse documento não aparece, de nenhum modo, a prova material indiscutível de que o general Arias tenha cometido esse grave crime. Em outras palavras: essa condenação não repousa sobre prova alguma.
Repousa, como na condenação em junho de 2010 contra o coronel Alfonso Plazas Vega, sobre uma série de inferências, mais ou menos inverossímeis, e em algumas teorias. Não se encontra, repito, a menor demonstração fática, material, pericial ou testemunhal que prove que o general Arias tenha incorrido nessa conduta durante os fatos dos Palácio da Justiça de Bogotá, assaltado em 6 de novembro de 1985 pela organização terrorista M-19.
A mensagem que sai dessa leitura é sombria: alguns querem acostumar os colombianos a que aceitemos em silêncio que os militares sejam objeto de condenações penais assombrosas e de extermínio, sem que o ente julgador civil se veja na obrigação de fornecer a prova suficiente.
Não se pense que as 361 páginas obedecem a uma angustiante análise de fatos ou de documentos novos: não, não há nada disso. O grosso da sentença é absorvido por uma re-escritura desculpadora da carreira criminosa do M-19, por uma recopilação de doutrinas de origens diversas (há até uma sentença do Sri Lanka) e por uma provisão de quantos textos existem a favor da questionada teoria do "ato mediato" ou do "homem por trás".
O bom da sentença é que ela transcreve parcialmente os argumentos sem falha da Procuradoria Geral, a qual pede a absolvição do general Arias Cabrales por falta de provas, e da brilhante advogada do general, que rebate, ponto por ponto, os argumentos da instrução. A juíza repudiou o testemunho do mentiroso Edgar Villamizar sobre o qual repousa a condenação do coronel Plazas Vega. Esse rechaço fragiliza ainda mais a sentença infame da juíza Jara. Em vista de seu vazio interior, essas 361 páginas voltam-se contra a instância sentenciadora.
A tese central desta é simples: os onze desaparecidos (10 empregados e visitantes da cafeteria mais a guerrilheira Irma Franco) saíram vivos do Palácio, foram assassinados pelas Forças Militares e seus corpos continuam desaparecidos.
A sentença não prova que isto seja certo. Em maio de 1986, a excelente investigação do Tribunal Especial de Instrução (TEI) constatou que os dez pereceram em 6 de novembro no quarto andar do Palácio, para onde foram levados como reféns pelos terroristas, e que "não há a menor evidência sobre a evacuação" dessas pessoas. O TEI reiterou que "nenhum dos reféns liberados os mencionou como presentes no edifício a partir da tomada, ou fora dele depois da recuperação". Quanto aos vídeos, "que com notável minuciosidade se tomaram sobre a saída dos libertados", o TEI diz que "ali não aparece nenhum dos empregados ou visitantes vinculados à cafeteria". A nova instrução ignorou o achado pelo TEI e rechaçou os argumentos do Ministério Público e da defesa, porém foi incapaz de contribuir com novos elementos. Em troca, a defesa invocou sobre este ponto capital, vários testemunhos de primeira mão.
Na realidade, ninguém viu a cara dos dez. Só viram imagens borradas de gente que saía. Alguém acreditou ver um parente, outro disse não estar certo disso. Alguém assegurou que um vídeo mostrava a saída de Cristina Guarín, mas a pessoa que ele assinala era María Nelfy Díaz, ascensorista do palácio, quem se reconheceu nessas imagens. A juíza não demonstrou que Díaz mentia: quatro testemunhas a respaldam. A juíza ocultou um fato: quem afirmou que Cristina Guarín havia saído viva foi seu irmão, René Guarín, seqüestrador confesso do M-19 que, a olhos vistos, procura manipular esse processo para se vingar dos militares, pois estes impediram que triunfasse o golpe de Estado que o M-19 havia preparado e que havia começado a realizar com a sangrenta tomada do Palácio da Justiça.
A juíza não explicou por que 27 corpos correspondentes aos "desaparecidos" do Palácio da Justiça estavam sob segredo no Ministério Público desde o ano de 2000 sem ser estudados. Desses corpos, após uma prova de DNA, um foi identificado: o de Ana Rosa Castiblanco, empregada da cafeteria. As provas feitas nos outros, diz a juíza, indicam que não fazem parte do lote. Isso permite pensar que esses faltantes estão enterrados em outro lugar, e que alguém brinca com esses despojos carbonizados para que a teoria dos "desaparecidos" continue e com ela os julgamentos dos militares.
Irma Franco parece ter saído viva do Palácio. Ela está desaparecida, porém a juíza não pôde provar que o general Arias tenha tido algo a ver, direta ou indiretamente, com seu aparente desaparecimento. Outra guerrilheira, Clara Helena Enciso Hernández, também foi dada como "desaparecida" em 1985, até que reapareceu no México em 1987 para contar a dois jornalistas uma versão forjada do assalto.
Na sentença não há, pois, provas, porém há sim teorias. Melhor: não há provas, pois as teorias as tornam desnecessárias. A teoria da autoria mediata, na modalidade alucinante que a juíza Trejos pretende impor, não requer provas. Arias é mostrado como o centro de uma conspiração que decidiu assassinar e desaparecer algumas pessoas nessa batalha. Ela diz que ele se valeu de terceiros (não identificados), pois "controlava" um suposto "aparato de poder". Para ela, definir tal posição hierárquica é provar a responsabilidade. Nada é mais absurdo.
E que responsabilidade cabe ao M-19 pelos mortos, feridos, desaparecidos, pelos incêndios e pelas destruições desse dia? Nenhuma. O grupo que criou essa tragédia é ignorado. Em um aparte realmente grotesco, que fará gritar de indignação a mais de uma pessoa, a juíza assegura que o M-19 ao "ingressar" no Palácio não tinha planejado tomar reféns, nem assassinar ninguém: ia só para julgar o presidente da República. Acrescenta que, diante disso, os militares deveriam ter cessado sua intervenção e aceitar a "aproximação que propunham" os atacantes, quer dizer, deixar o M-19 avançar. Como não o fizeram, converteram-se em assassinos de lesa-humanidade. Para ela, o M-19 era apenas uma "dissidência", um grupo "rebelde" que começou com ações de "propaganda" e terminou se radicalizando por causa da terrível maldade dos militares e do governo colombiano.
O governo de Belisario Betancur (BB) é acusado pela juíza de não ter "levado em consideração a vida dos reféns". Isso é falso. Trejos disse isso ao mesmo tempo em que cala sobre um fato capital: que as forças da ordem resgataram mais de 244 reféns nessas 48 horas terríveis, e que nesse trabalho onze militares e policiais perderam a vida e outros 31 foram feridos. Na fantasmagoria dessa sentença, o governo de BB é equiparado ao regime nazista de Adolf Hitler, e o general Arias Cabrales é posto como um equivalente do verdugo nazista Adolf Eichmann. Essas comparações absurdas estão lá, pois são necessárias: de outra maneira a teoria do ator mediato não pode funcionar. Foi assim que a juíza Trejos chegou à conclusão de que que Arias Cabrales merecia essa sanção iníqua.
Eu acredito que a juíza Trejos é sincera. Depois de ler sua sentença, estimo que ela acredita no que disse, e que opera assim pois está convencida de que a razão, o bem e a justiça estão do seu lado. Isso é o que mais me preocupa. A esse estado de confusão jurídica e moral, e de ódio fanático pelas instituições democráticas, sobretudo pelas Forças Militares da Colômbia, chegaram alguns membros do ramo judiciário. Por que e em que momento nasceu esse fenômeno? Quem o propicia e alimenta? O governo e a sociedade, sobretudo a universidade e a imprensa, deverão se interrogar e investigar a respeito. Pois há que pôr fim a essa deriva incrível. Se deixamos que esse modelo de anti-justiça se imponha, o país vai direito para o caos: ante cada ataque terrorista terá que imobilizar as forças de defesa, ou do contrário os comandos serão acusados de violar a lei. E ante o abuso de um soldado, ou o homicídio de um uniformizado, ou de um funcionário, se abrirá um processo contra o comandante das Forças Armadas, e contra o presidente da República, pois se poderá dizer que eles dirigiam um "aparato organizado de poder". E, sem a menor prova, esses personagens serão enviados à prisão sem que possam, como ocorreu em primeira instância ao general Arias Cabrales e ao coronel Plazas Vega, defender-se nem fazer valer os preceitos mais básicos do Código Penal Colombiano.
Tradução: Graça Salgueiro
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