“Desaparecidos? O negócio da dor”
Mídia Sem Máscara
| 21 Maio 2011
Internacional - América Latina
Ninguém entenderá este livro sem se situar nos fatos surpreendentes e trágicos que lhe deram vida.
Corria o ano de 1985 e a Colômbia levava uma das mais duras guerras que teve que enfrentar em sua muito guerreira História. Esta era contra o narcotráfico, complexo exército disciplinado na melhor das disciplinas, que é a do dinheiro. Os narco-traficantes não temiam o magro Estado que os enfrentava, poroso por todas as suas caras, porém estavam aterrorizados com a única arma eficaz de que dispunha, sua extradição aos Estados Unidos. Para combater essa possibilidade deslocaram suas tropas, que começaram por mostrar uma forte avançada, conformada pelos melhores, ou quando menos os advogados mais caros, muitos deles ex-magistrados das Cortes de Justiça, para combater o tratado que se havia subscrito com os Estados Unidos para tão pouco piedoso efeito. O grosso da milícia, como sempre, era integrada pelos implacáveis mercenários, dispostos a tudo e capazes de tudo. Na poderosa retaguarda, sua majestosa capacidade econômica, que chegou a ser tanta para oferecer, como com efeito ofereceram, se encarregar de toda a dívida pública externa da Nação, como contra-prestação aos benefícios judiciais que esperavam.
A via judicial não lhes era favorável. Corria a vozes o segredo de que a Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça tinha pronto o informe para declarar válida a extradição que contava com o respaldo unânime do resto da Corporação. As ameaças contínuas e cruéis contra os juízes não haviam surtido efeito. As centenas de documentos escritos por seus bem azeitados argumentos, tampouco. O Tratado ia ser aprovado. Restava a violência. A questão era descobrir sua fórmula de aplicação. E foi então quando se produziu a mais espantosa conjuntura que se tenha lembrança contra um Estado democrático na América. Porque a máfia encontrou no caminho uma guerrilha de estilo mafioso, sem nenhuma restrição moral e ávida de algum golpe magistral que a tirasse de sua prostração. Era o M-19, grupo de origem comunista, como seus membros que eram em boa parte antigos militantes das FARC, e que não haviam conseguido impressionar com seus crimes teatrais, nem com seus dramalhões pseudo-intelectuais. E se juntaram essas duas criaturas funestas para produzir o maior cataclismo político que se possa lembrar.
Eram dois golpes de Estado, reunidos em uma só operação. Pelo primeiro, se assassinaria parte da Corte e se conservaria o resto como refém para conseguir a rendição do Governo e a promessa formal de que não faria extradição de colombianos. Pelo segundo, o Presidente teria que abandonar seu Palácio para se sentar em uma mesa de negociação, aberta nada menos do que no Palácio da Justiça, para resolver os problemas do país à luz dessa estranha doutrina, misto de Marx com discursos extravagantes sobre Justiça Social, sem que faltasse um pouco de água benta, da Teologia da Libertação, certamente, que o M-19 se empenhava em impor com seus grotescos métodos.
A só declaração desses propósitos descobre sua natureza demencial. Só a uns loucos ignorantes e ferozes, como Pablo Escobar e a cúpula do M-19, lhes podia ocorrer semelhante barbaridade. Porém, lhes ocorreu. Quando se quer passar para a História e quando se entende que com o dinheiro se consegue tudo, pode-se abrir caminho a qualquer absurdo. E foi como se selou a aliança, para que alguém desse armas, dinheiro e quantas coisas mais fossem necessárias, e os outros o atrevimento para desafiar com as armas e em semelhantes condições à mais antiga e estável democracia da América Latina.
Os colombianos não podíamos acreditar no que estava acontecendo. Era demasiado horrendo, até para nossas sensibilidades embotadas nos mais extremos excessos. Porém estava acontecendo. E aconteceu. Ante a curiosa ausência da Polícia de custódia, nunca explicada, os assaltantes penetraram no Palácio da Justiça, mediante o assassinato de seus quase inermes guardiãs. Rapidamente se apoderaram de todas as instalações, fizeram trincheiras dos locais estratégicos, atearam o fogo que lhes interessava, assassinaram a sangue frio uns quantos magistrados e se dispuseram a esperar a chegada do Presidente da República.
Em seu lugar chegaram os soldados, que condescenderam aos armamentos ultra-modernos e aos locais previamente definidos como os melhores pela turba assassina. Porém, ninguém os arredou. Um punhado de heróis salvou a República e centenas de inocentes que iam ser massacrados. E deram-lhes liberdade, a custa dos maiores sacrifícios, a vida de soldados e policiais incluída na imensa quota de dor que tiveram que pagar no altar da Pátria.
Quando tudo terminou, muitas horas depois. Quando do Palácio em cinzas só ficaram os últimos rescaldos, os colombianos nos sentimos a salvo. Porque estivemos a ponto de perder tudo. E por isso saudamos com lenços brancos a passagem de nossos heróis a caminho de seus batalhões, comandados também na vitória por quem lutou com eles, padeceu com eles, sofreu com eles todas as dores e aceitou com eles todos os perigos, casualmente e por sorte para a verdade, o autor deste livro. Foram horas de emoção indescritível. Lacerado o coração pela dor das perdas, sentíamos a salvo o que mais amávamos: a liberdade, a fé nos destinos da Colômbia e sua honra sem mancha.
Passaram-se 26 anos. E do fundo da caverna voltou-se a escutar o rugido dos leões famintos. E voltaram pelo mesmo motivo. Pela dignidade da República. Pela sua glória. Pela sua liberdade. Só que agora as armas são diferentes, muito mais sofisticadas, muito mais mortíferas, muito melhor calibradas. Os que não puderam dar um golpe de Estado, agora tentam por outros caminhos. Os que queriam nossa rendição, a conseguem sem fuzis nem bombas. Basta-lhes o artifício matreiro de uma justiça indigna. Basta-lhes a infâmia das testemunhas falsas e, pasme o leitor, até das testemunhas inexistentes. Basta-lhes a ingenuidade e a covardia de uma sociedade que não sabe se defender. Basta-lhes esconder-se atrás de uma toga e um barrete para metralhar nossa honra e despedaçar nossos sentimentos, nossos valores, nossas aspirações.
E este livro é essa história. A qual o assombrará, querido leitor, o indignará, o surpreenderá. A história na qual um homem, o Coronel Luis Alfonso Plazas Vega, foi escolhido como mártir propiciatório da maior indecência, da maior audácia e da maior injustiça que se tenha visto na Colômbia. Vale tudo. Quando estão pela metade as mesmas ambições torcidas daquelas macabras jornadas de 6 e 7 de novembro de 1985, aumentadas com a expectativa do velocino de ouro, nada fica demasiado longe. Porque antecipo a quem repasse estas linhas, que nem sequer as lágrimas de agora são autênticas, condição para que fossem respeitáveis. Quando se põe preço à dor, se converte em uma careta de dor indigna. Os mortos do Palácio da Justiça, que estão onde o autor demonstra que estão, querem ser permutados por seus herdeiros por um punhado de dólares concedidos por algum tribunal de justiça. Para o que se requer, é claro, que Plazas Vega seja condenado por um delito que ninguém cometeu. Os supostos desaparecidos, este livro prova mil vezes que não desapareceram. Foram cruelmente sacrificados pelos companheiros de guerrilha de um dos demandantes, um tal René Guarín. Você estranha? É melhor que entre nestas páginas disposto a não se deixar estranhar por nada.
O drama vai começar. A cortina se levanta. A tragédia abre suas asas de espanto. A seguiremos com a unção com que os gregos presenciaram as que saíam das penas de seus três gênios dramáticos, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Que foram maiores quando, como neste caso, contaram histórias verdadeiras.
Nota da tradutora:
[1] Este artigo é o prólogo do livro "¿Desaparecidos? El negocio del dolor", do Coronel Luis Alfonso Plazas Vega, lançado na Feira Internacional do Livro de Bogotá, ocorrida de 5 a 15 de maio de 2011. Abaixo o vídeo da entrevista que Plazas Vega concedeu durante o evento, para o qual, por uma concessão especial, a justiça lhe permitiu participar do lançamento.
Tradução: Graça Salgueiro
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