O affaire misterioso de Carlos Horacio Urán
Mídia Sem Máscara
| 18 Outubro 2011
Internacional - América Latina
Risível: a Justiça colombiana, por se dispor a fazer o jogo do narcoterror revolucionário já se desmoralizou o bastante ao tentar incriminar heróis nacionais como o Cel Plazas Vega. E agora dá mais um passo rumo à vergonha total: pretende ressuscitar alguns mortos.
A arte de ressuscitar os mortos tem um segredo: só se pode fazer no mundo da imaginação e da escrita. A ex-promotora Ángela María Buitrago, acreditando que podia imitar Cristo que ressuscitou Lázaro no conhecido episódio de Betânia, tratou de ressuscitar Carlos Horacio Urán, um magistrado auxiliar do Conselho de Estado que morreu durante a matança organizada pelo M-19 no Palácio da Justiça em 6 de novembro de 1985.
Antes de abandonar o cargo que tinha, do qual foi destituída por haver cometido faltas profissionais graves, a ex-promotora decidiu que o doutor Urán havia saído vivo do Palácio e que alguém (um militar, segundo ela) o havia assassinado depois. Tudo isso para poder chamar à indagatória os generais Jesús Armando Arias Cabrales, Carlos Alberto Fracica e Rafael Hernández López. Depois, para cúmulo do absurdo, a Comissão da Verdade, de origem judicial, se apressou em comprometer-se com a hipótese da ex-promotora mas apresentando essa alegação como um fato comprovado.
O problema é que quatro pessoas que estavam perto do doutor Urán durante a tragédia do Palácio da Justiça, o viram cair perfurado ao lado deles, pelas balas que disparavam dentro do edifício, no fragor do combate entre os terroristas e as forças da ordem. Caiu crivado de balas, com outros reféns, pois Almarales, um dos chefes do assalto terrorista, se opôs a que saíssem dali quando os soldados estavam dispostos a acolhê-los, como havia acolhido o conselheiro de Estado Reinaldo Arciniegas.
Outros dois conselheiros de Estado, Aydée Anzola Linares e Samuel Buitrago Hurtado, declararam ante o juiz 27 de instrução criminal, em 5 de dezembro de 1985, que Urán havia morrido no Palácio da Justiça. Samuel Buitrago sustentou isso sempre ante os juízes, a rádio e a imprensa colombiana. Samuel Buitrago afirma que viu com seus próprios olhos que Carlos Horacio Urán, assim como o magistrado Manuel Gaona Cruz e Luz Stella Bernal, caíram após os impactos de bala que receberam “e ficaram ali, jogados no chão”.
Outra pessoa que fazia parte, como Buitrago e Anzola, do grupo de reféns que estavam confinados no banheiro do segundo-terceiro andar do Palácio com Urán, Luz del Carmen Lozano, auxiliar do Conselho de Estado, disse exatamente o mesmo ao juiz 30 de instrução criminal em 27 de novembro de 1985. O magistrado Hernando Tapias Rocha também foi testemunha da morte de Urán. Uma quinta testemunha presencial, Francisco Camargo, ratificou o dito pela senhora Lozano, ante o juiz 30. Outra auxiliar do Conselho de Estado que estava com esse grupo, María Humbertina Hernández de Díaz, disse: “...Eu vi quando dispararam na doutora Luz Stella [Bernal], um guerrilheiro lhe disparou com metralhadora...”. A autópsia diz que Luz Stella Bernal morreu “como conseqüência de uma rajada (quatro feridas) e não por estalido ou explosão”.
Por que a palavra das únicas testemunhas desses cruéis instantes são descartadas? Todos eles mentiam? Se mentiam, por que o fizeram? Haviam-se combinado para isso? A justiça não parece estar em condições de questionar esses testemunhos. Pois nenhuma recriminação nem acusação nesse sentido foi formulada contra essas vítimas-testemunhas. Entretanto, a justiça de 2011 se empenha em descartar esses testemunhos fazendo troça do pouco respeito que merecem dela, as pessoas que sobreviveram ao sangrento ataque dos terroristas.
Alguém trata de desacreditar os testemunhos do doutor Buitrago pois ele, junto com os magistrados Nemesio Camacho e Hernando Tapias Rocha, e com a funcionária Alba Inés Rodríguez, assim como María Humbertina Hernández de Díaz, o motorista José William Ortiz e o advogado Gabriel Salom, acusam os guerrilheiros de haver disparado contra eles, reféns, dentro do banheiro, ocasionando a morte de Manuel Gaona Cruz e de Horacio Montoya Gil e, provavelmente, do próprio Carlos Horacio Urán, se não a de outros. Ver a respeito o excelente informe do Tribunal Especial de Instrução em: ftp://ftp.camara.gov.co/camara/basedoc/decreto/1986/decreto_1917_1986.html
A ex-promotora Buitrago, que se atreveu a utilizar métodos atrozes em sua “investigação” contra o Coronel Alfonso Plazas Vega, comandante da unidade blindada que entrou no Palácio, insiste em negar esses testemunhos para poder construir a hipótese de que Urán, qual Lázaro moderno, levantou-se do lugar onde havia sido abatido violentamente quase pela mesma rajada que matou o magistrado Manuel Gaona, e que saiu pouco depois à rua, saltando em um pé, acompanhado por um soldado. Pode uma pessoa que recebeu um tiro na cabeça a menos de um metro de distância, como disse a autópsia, sair sobre seus dois pés horas mais tarde?
Os autores da lenda sobre a ressurreição de Urán pretendem eclipsar o testemunho direto das testemunhas citadas mediante um vídeo impreciso da televisão colombiana de 1985, onde a ex-promotora Buitrago acreditou ver o doutor Urán saindo do Palácio. A história dessa “prova” é conhecida. Nove dias depois da tragédia, a senhora Ana María Bidegaín, viúva de Urán, declarou ante o juiz segundo especializado:
“...consegui cópia do vídeo e o vimos com minha filha mais velha, e estávamos convencidas de que era ele até esse momento, pela estatura, pelo físico, pelo movimento, saía amparado pelos soldados, a roupa era muito imprecisa. Depois vimos outro dos americanos da CBS. A imagem era um pouco mais nítida, porém ao mesmo tempo essa imagem não corresponde à de 24 Horas. Sobre essa imagem [a de CBS] não posso assegurar que era ele, era muito parecido, quer dizer, não tenho certeza de que seja ele”.
Quer dizer, depois de examinar o vídeo mais nítido, a viúva do doutor Urán chegou à certeza de que não podia afirmar que ele havia saído vivo do Palácio. Um dia depois, em 16 de novembro de 1985, ela ratificou isso mesmo ante El Mundo, de Medellín: a pessoa vista nesses vídeos não era seu esposo. Entretanto, mais de vinte anos depois, a senhora Bidegaín mudou de parecer a agora proclama que seu marido saiu vivo do Palácio.
O magistrado Samuel Buitrago Hurtado viu esses mesmos vídeos e concluiu, em que pese a suspeita pressão que sofria da parte de gente do Ministério Público, que quem se via sair do Palácio não era seu amigo Carlos Horacio Urán.
A Medicina Legal, em janeiro de 2010, tratou de ressuscitar outro morto: o magistrado Manuel Gaona Cruz. Mediante um “estudo” feito 25 anos depois da catástrofe, permitiu-se afirmar que também Gaona havia saído vivo do Palácio e “justiçado” depois não se sabe por quem. Contra esse curioso parecer se pronunciaram várias testemunhas irreprováveis, como Alba Inés Rodríguez e o magistrado Samuel Buitrago, entre outros. Ver: http://www.vanguardia.com/historico/50995-el-magistrado-gaona-no-salio-vivo-del-palacio-testigo
Agora essa mesma entidade lança outro “estudo” para ressuscitar (por algumas horas) Carlos Horacio Urán. El Tiempo publicou, com efeito, em 11 de outubro de 2011, um artigo sem assinatura no qual assegura que uma “nova necrópsia” feita por Medicina Legal diz ter descoberto uma “segunda ferida de bala” na cabeça do cadáver, que não tinha sido vista na primeira autópsia de 1985. Diz que o novo exame descobriu que Urán havia sofrido “dois tiros de graça”. Mais exatamente: “um na fronte e outro na nuca”. O artigo tira então a conclusão: “o jurista foi executado e não morreu em meio dos combates”.
Se for certo o dos dois tiros “de graça”, a nova necrópsia deveria ao menos esboçar uma explicação do por quê a primeira autópsia não viu, não falou, nem registrou esse segundo impacto mortal de bala. Se o exame foi manipulado, o autor ou os autores do mesmo devem ser chamados a julgamento por falsidade e ocultação de provas. Por que o Ministério Público não diz nada a respeito?
O informe entregue de Medicina Legal, segundo El Tiempo, ao promotor do caso, parece querer desentender-se por completo do ponto tão importante de saber o que ocorreu na primeira autópsia. El Tiempo diz isto: “‘Não há nenhuma explicação para tais discrepâncias, salvo que se aceite que na necrópsia inicial não se fez uma exploração completa (...) o que indicaria que passou-se por cima de alguns conjuntos de lesões’ que ficaram marcadas nos restos ósseos”.
O argumento de que “não há nenhuma explicação” para o silêncio (suposto) da primeira necrópsia, é inadmissível. Das duas uma: nos restos de Urán examinados em 1985 não havia o segundo impacto na cabeça e este foi fabricado depois para dar a impressão de que o funcionário havia sido ultimado mediante “dois tiros de graça”, ou o médico ou médicos que fizeram a primeira necrópsia viram esses impactos e ocultaram esse fato capital em seu informe. Por que o fizeram? O país deve saber quem ou quais pessoas fizeram essa primeira necrópsia e porquê não viram, ou porquê calaram, o ponto dos dois “tiros de graça” que Medicina Legal invoca agora.
Aborrece saber que o artigo de El Tiempo é anônimo. Um artigo desse alcance, que faz afirmações tão graves, deve ser assinado por alguém e não pela vaga apelação “redação justiça”. Quem chega à conclusão de que “o jurista foi executado e não morreu em meio dos combates”? O autor do artigo ou Medicina Legal? Toda a “redação justiça” compartilha dessa hipótese? O autor do artigo investigou como foi feita a segunda necrópsia e, sobretudo, o que aconteceu com a primeira? El Tiempo terá que responder isso. Os advogados dos generais têm direito a pedir que se pratique uma terceira necrópsia por uma entidade independente?
Outra anomalia: o artigo parece indicar que a recente necrópsia é provisória, pois alguns pontos continuam sem esclarecer. Diz que os legistas observaram que nestes restos de Urán “também há rastros de lesões nos braços, mãos e pernas, que não seriam necessariamente produto de estilhaços”, e que (os legistas) “tentam determinar se foram resultado de torturas”. Conclusão: a tal necrópsia não terminou, ou o informe dado ao Ministério Público é incompleto. Se isso é assim, por que lançar através da imprensa a idéia de que Urán saiu vivo?
Os que estudam o caso Urán sabem que ele não recebeu “estilhaços”, pois no banheiro onde ele e outros magistrados estavam não estourou nenhuma granada. Os que morreram ou foram feridos ali, o foram por disparos de armas de fogo. Alguém constrói outra história para continuar confundindo a opinião pública e a justiça? Esperam passar para a outra fase, quando todo mundo tenha engolido a cobra de que Urán saiu vivo?
Cada dia que passa, a investigação sobre os fatos do Palácio da Justiça mostra um cariz cada vez mais esotérico, absurdo e forçado. Isso é assim pois há um grupelho empenhado em torcer os fatos para desculpar o M-19 e seus comanditários, e deslocar a culpa para outros, para os ex-reféns vítimas, e para os heróicos militares que resgataram o Palácio, salvando a vida de mais de 250 pessoas e frustrando o golpe de Estado contra Belisario Betancur.
Ante as migalhas de informação enviesada que os ressuscitadores de mortos estão lançando, o melhor é conservar o espírito crítico e examinar tudo isso com lupa, para oferecer outras análises à opinião pública.
Tradução: Graça Salgueiro
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