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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O que disseram que o soldado disse

Mídia Sem Máscara

O intérprete, na maior inocência, esqueceu de traduzir a segunda metade da frase, e foi essa frase incompleta, sem a ressalva essencial, que ganhou o mundo pela reprodução da mídia. ("Soldado israelense diz que ficaria feliz com libertação de palestinos", etc., etc.).

Seqüestrado na Faixa de Gaza em junho de 2006 pelo Hamas, o soldado israelense Gilad Shalit, na época com 19 anos, vinha sendo usado desde então como moeda de troca pelo bando empenhado em matar judeus, que passou os últimos cinco anos escarnecendo os familiares e compatriotas do refém.

Um desses atos de deboche foi colocar um sósia do israelense para desfilar pelas ruas de Gaza, algemado e cercado por homens encapuzados, enquanto o povo ria da palhaçada. Em outra ocasião, a televisão do Hamas exibiu um desenho animado em que o soldado choramingava no cativeiro, chamando a mãe, sendo avisado por um menino árabe que Israel não se importa com ele.

Na semana passada, o governo israelense aceitou trocar Shalit por mil e tantos terroristas árabes - entre eles 315 condenados à prisão perpétua -, autores materiais e intelectuais do assassinato de centenas de judeus. Metade seria solta para que Shalit fosse apresentado no Egito, e a outra metade seria liberada quando o soldado estivesse enfim sob a guarda de Israel.

Enquanto os matadores de judeus saíam das cadeias israelenses saudáveis, corados e bem dispostos (foram logo tomando parte nas celebrações preparadas pelo Hamas), Shalit surgiu magro, abatido, pálido, com dificuldade de respirar, psicologicamente debilitado, submetido a uma última provação por seus raptores: uma maliciosa entrevista na TV estatal egípcia na presença de homens do Hamas armados, incluindo o mestre de cerimônia.

Foi nessas condições que a entrevistadora, árabe, perguntou ao israelense quais "lições" ele aprendeu no cativeiro. Em hebraico, o confuso Shalit disse acreditar que um acordo poderia ter sido acertado mais cedo. Nisso interveio o homem do Hamas para anunciar que o soldado estava elogiando o fato de que o acordo foi acertado "num tempo tão curto".

Em outro ponto a moça perguntou: "Há mais de quatro mil palestinos [sic] detidos em prisões israelenses. Você vai fazer alguma campanha pela libertação deles?". Depois de alguns segundos de silêncio, aparentemente sem ter entendido direito a indagação, Shalit respondeu: "Eu ficaria muito contente se eles fossem libertados, desde que eles não voltem a lutar contra Israel".

Mas o intérprete, na maior inocência, esqueceu de traduzir a segunda metade da frase, e foi essa frase incompleta, sem a ressalva essencial, que ganhou o mundo pela reprodução da mídia ("Soldado israelense diz que ficaria feliz com libertação de palestinos", etc., etc.). No início da entrevista, Shalit foi questionado sobre sua condição médica. "Eu não me sinto muito bem", ele disse. Tradução do Hamas, repetida pela mídia: "Eu me sinto bem".

E assim o terror colheu mais um ganho publicitário pelas manchetes dos jornais.



Publicado no jornal O Estado.

Bruno Pontes é jornalista - http://brunopontes.blogspot.com

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