Truque sujo, parte 2
Mídia Sem Máscara
Escrito por Olavo de Carvalho | 13 Outubro 2011
Media Watch - Outros
Que mais se poderia esperar de falsários que convertem uma briga de gangues no assassinato brutal de um indefeso estudante?
Atribuir a ação de uma frase ao sujeito de outra não foi o único truque usado pelos jornalistas Nara Alves e Ricardo Galhardo, do IG, na matéria "Extrema direita universitária se alia a skinheads"(26/09). A isso os IGnobeis acrescentaram mais três expedientes: embelezar a vítima para realçar a feiúra do crime, ampliar desmesuradamente o sentido de uma frase minha para fazer o óbvio parecer uma absurdidade ofensiva, e tomar o imaginário como fato consumado para dar a uma invencionice caluniosa e pueril os ares de coisa certa e provada.
Vamos por partes.
A vítima de que fala a matéria, assassinada a pancadas e facadas, era um membro da Devastação Punk, uma das gangues mais violentas de São Paulo. Era um rematado brigão, que andava armado de soco inglês e estava sendo investigado pela polícia por um homicídio. Morreu no curso de uma pancadaria na qual estiveram envolvidas duas centenas de pessoas, e até agora não se sabe precisamente quem o matou.
O IG limpa a ficha da criatura, apresentando-a apenas como "um estudante". Um inocente estudante assassinado por skinheads é bem diferente de um membro de gangue que se dá mal numa briga de rua. No meio da matéria, vê-se que o cidadão era de fato um punk. Mas a violência punk também aparece embelezada, desculpada como "reação aos grupos de intolerância" – como se punks não tivessem sua própria cultura da violência.
Eis alguns exemplos de como esses idealistas combatem a intolerância:
22 de junho: Punks esfaquearam e mataram o garçom John Clayton Moreira Batista, nos Jardins, por ele não ter lhes emprestado um isqueiro. Quatro adultos e quatro adolescentes – que fariam parte do grupo Devastação Punk – foram detidos pela polícia.
21 de outubro: o menor G. C., 17 anos, foi espancado por um grupo de 25 punks, que saíam de uma casa noturna no Bom Retiro. Nove foram detidos.
14 de outubro: O balconista Jaílton de Souza Pacheco foi esfaqueado e morto, no centro, por três jovens que se identificaram como punks. Motivo: ele se recusou a fazer desconto na venda de um pedaço de pizza. E assim por diante. Confiram na edição 2032 da Veja .
Para Alves e Galhardo, esses e outros feitos foram cometidos na pura intenção de defender as instituições democráticas contra tiranos fascistas skinheads que não emprestam isqueiros e recusam descontos em pizzas.
Falsificadas a cena e a história do crime, o IG está preparado para acentuar os traços monstruosos do "instrutor teórico" que teria inspirado o delito. Olavo de Carvalho, segundo Alves e Galhardo, é um malvado que "prega a pena de morte para comunistas". Que é que se entende por essa expressão? Olavo de Carvalho deseja que os comunistas sejam condenados à pena de morte por serem comunistas, isto é, por delito de opinião. Imaginem as dimensões do banho de sangue se essa ideia fosse levada à prática.
Teria eu pregado semelhante descalabro? Como não me considero imune a momentos de estupidez, e como no improviso de um programa de rádio é possível soltar alguma asneira grossa, fui ouvir a gravação do programa, pronto a retificar quaisquer palavras injustas se as tivesse proferido.
Pois bem. O que eu disse naquele programa é que os líderes políticos e intelectuais do movimento comunista deveriam ser submetidos a julgamento por crimes contra a humanidade, tal como se fizera em Nuremberg com os próceres nazistas e tal como a pequena e brava nação cambojana está fazendo com os chefes do Khmer Vermelho.
Teria o tribunal de Nuremberg julgado e condenado "nazistas", genericamente? Isso teria levado à forca metade da Alemanha. Estaria o Camboja buscando a punição de "comunistas", assim sem mais, por crime de ideologia? É óbvio que não.
O que sugeri é que os líderes de governos admitidamente genocidas deveriam ser submetidos a julgamento e punidos, junto com os mais notórios, obstinados e impenitentes propagandistas e embelezadores mundiais de uma máquina de matar que havia liquidado cinco vezes mais gente do que a ditadura nazista.
Por mais que se odeie a proposta – e ela não foi feita para afagar o ego de ninguém –, ela é bem diferente de "pregar a pena de morte para comunistas". A imprecisão proposital opera prodígios. A troca do específico pelo genérico, pelas mãos de Alves e Galhardo, deu a uma óbvia e irrecusável exigência de justiça os ares de uma apologia do terror e do genocídio.
Que mais se poderia esperar de falsários que convertem uma briga de gangues no assassinato brutal de um indefeso estudante?
Vamos agora às duas organizações estudantis, cuja declaração de que recebem "instrução teórica" supostamente inspirada em mim foi transferida da boca deles para a dos skinheads. Desde logo, não conhecia nenhuma das duas e só fiquei sabendo delas pelo IG. Mas não preciso conhecê-las para saber que não se compõem de alunos meus, já que estes são formalmente proibidos, enquanto forem alunos, de associar-se a qualquer organização militante (quatro mil membros do Seminário de Filosofia podem confirmar o que dezenas de gravações de aula comprovam).
Se a Resistência Nacionalista e a UCC não recebem "instrução teórica" nem de mim pessoalmente, nem de meus alunos, nem de qualquer pessoa autorizada por mim, não têm direito de falar em meu nome ou de posar como praticantes de ideias minhas. Muito menos de apresentá-las com essa identidade sem nem ter-me consultado, revelando a mentalidade traiçoeira com que escreveram a matéria no propósito de me comprometer em atividades políticas que desaprovo totalmente.
Mas, por estranha e errada que me pareça a política dessas duas organizações, ela não constitui crime, nem o IG as acusa disso. Elas só entraram na matéria porque são "de direita" e, como alguns skinheads também o são, ou diz-se que são, isso facilitava a Alves e Galhardo construir, por meio de uma dupla ponte de associações de ideias, um arremedo de ligação entre o movimento skinhead e eu.
A técnica da associação remota já é notória pela tortuosidade com que imagina influências materialmente impossíveis, tratando-as como se fossem elos causais verdadeiros, criminalmente imputáveis. Quem quer que a empregue deveria ser expelido da profissão jornalística por total e absoluta falta de idoneidade.
Quando a deputada democrata Danielle Giffords foi baleada junto com outras cinco pessoas, esquerdistas assanhados se apressaram em lançar a responsabilidade mental do crime sobre a governadora Sarah Palin, por ter utilizado, num cartaz de propaganda, a palavra "alvo" com referência ao 8º. Distrito do Arizona, onde viria a se dar o sangrento episódio.
A técnica junguiana da associação de palavras, que em psiquiatria e psicologia clínica se usa para rastrear as fantasias subjetivas de doentes mentais, passa a servir aí como prova de ligações causais objetivas entre fatos do mundo real. Alvo? Tiro. Tiro? Atentado. Atentado? Danielle Giffords. Logo, Sarah Palin atirou em Danielle Giffords. É a fantasia psicótica transmutada em lógica jurídica.
Mas o site do IG não se contenta com lançar mão desse raciocínio perverso. Acrescenta-lhe um requinte que não teria ocorrido a nenhum acusador de Sarah Palin: ligar o crime à minha pessoa não por meio de uma cadeia de associações, mas sim de duas, encadeadas e superpostas, para levar da causa hipotética remota à causa imaginária remotíssima – um truque sujo que, se usado com frequência bastante, não deixará impune nenhum inocente.
Leia também: Truque sujo.
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