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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Democracia: tensão entre fatos e valores

Mídia Sem Máscara

Marcus Boeira | 19 Abril 2011
Artigos - Conservadorismo

Nossa "comunidade política" tem sido a cada ano formatada para votar no PT ou pelo menos não fazer oposição. Aceitar o politicamente correto é a regra. Temos uma sociedade calada, passiva e absolutamente incapaz de perceber a hegemonia cultural empreendida pela intelligentsia.

A democracia contemporânea é definida de muitas formas: democracia constitucional, democracia de partidos, democracia política, democracia social, enfim, para cada âmbito de eficácia do regime político democrático existe uma correspondente definição.

Em todos esses âmbitos, é perceptível que a democracia encontra, em sua estruturação interna, uma tensão permanente. Essa tensão diz respeito a articulação entre os ideais democráticos e a realidade das democracias. Melhor dizendo, entre os valores e a realidade concreta do sistema político. Então, se esta tensão condiz com a análise interna da democracia, então faz necessário que tal tensão flua dentro de uma estruturação intestina do regime democrático. Dentro disso, toda democracia possui três níveis internos constitutivos: o plano do fundamento, o plano do funcionamento e o plano da finalidade.

O plano do fundamento foi definido por Lincoln com o jargão "governo do povo", ou seja, como plano das bases materiais subjacentes à democracia. Nesse plano, portanto, poderíamos situar a comunidade política e o Estado de Direito, sendo a comunidade política uma comunidade de pessoas humanas cuja dimensão política ontológica conduz à deliberação e ao agir público, e o Estado de Direito entendido como a morfologia moderna do conjunto de instituições políticas auto-limitadas e divididas de acordo com a relação entre funções e fins estatais.

O plano do funcionamento corresponde ao "governo pelo povo", é dizer, ao nível segundo o qual a democracia é processada e operacionalizada. É sabido que a procedimentalização da democracia demanda diversas análises, como por exemplo, os partidos políticos, os sindicatos, as corporações, o sistema eleitoral, o sufrágio, etc. Mas, independentemente de quaisquer dessas análises, o fato é que, atualmente, a democracia em seu aspecto procedimental é uma democracia de partidos (pelo menos assim entendem diversos politólogos como Giovanni Sartori, Gianfranco Pasquino, Angelo Panebianco, Maurizio Cotta, Juan Linz e Carl Friedrich). Portanto, o plano do funcionamento da democracia, que unifica a soberania popular e a cidadania plural e universal, é definido segundo o sistema partidário adotado.

O plano da finalidade condiz com os bens da pessoa humana, isto é, com os valores extraídos do universo moral da experiência comum dos seres humanos. A axiologia democrática radica suas bases no conjunto de bens fundamentais da comunidade política, conjunto este reduzido ao que chamamos de bem comum. O bem comum, conhecido como a pedra angular da concórdia política, ou melhor, como conjunto das condições materiais e espirituais para o desenvolvimento integral da pessoa humana na sociedade e, em última análise, para sua salvação eterna (Santo Tomás), é a finalidade por excelência da democracia e de qualquer regime político virtuoso. In casu, o bem comum, pelo menos na acepção teórica da democracia, condicionaria a atuação dos partidos ao conteúdo moral ontológico da política buscando, assim, impedir os partidos de agirem segundo a corrupção ou mesmo com foco em anti-valores, em objetivos que contrariem a boa política.

Portanto, a tensão entre fatos e valores na democracia ocorreria na operação política do plano funcional. Isto porque os partidos (agentes e canais de representação) precisam conduzir suas ações e estratégias políticas desde o plano do fundamento (comunidade e instituições) até o plano da finalidade (concreção dos valores). Ora, nessa caminhada de transladação é que a tensão aparece, pois às vezes, ora o conjunto institucional ora a atmosfera cultural impedem que os partidos, de fato, façam adequadamente essa condução.

No caso brasileiro, tanto a morfologia institucional quanto a hegemonia cultural gramsciana impedem essa condução desde o terreno dos fatos para o campo dos valores.

Primeiro, porque não há "partidos" no plural, como seria apropriado em uma autêntica democracia, mas um Partido maior - que é o PT- e partidos submissos a ele, direta ou indiretamente.

Segundo, porque os objetivos do PT são focados na anti-democracia, isto é, em metas estabelecidas no Foro de São Paulo que são antagônicas a uma democracia saudável e comprometida com o verdadeiro "bem comum".

Terceiro, porque a pérfida separação de poderes, que apresentei em meu artigo anterior aqui mesmo no MSM, impede uma separação entre Estado e Governo, tornando possível que um partido totalitário como o PT possa, em nome do governo, fazer do Estado sua bandeira política, conduzindo assim nossa tão frágil democracia à velha identidade entre Estado e Partido, típica dos totalitarismos do século XX.

Quarto, porque nossa "comunidade política" tem sido a cada ano formatada para votar no PT ou pelo menos não fazer oposição. Aceitar o politicamente correto é a regra. Temos uma sociedade calada, passiva e absolutamente incapaz de perceber a hegemonia cultural empreendida pela intelligentsia.

Quinto, as antigas oposições já estão fora do cenário político.

Sexto, não existem estadistas, pessoas altamente preparadas para conduzir à nação e oferecer resistência ao messianismo petista.

Sétimo, nossa Constituição não define claramente os três níveis apontados, criando assim uma confusão conceitual generalizada, em que cada jurista define democracia constitucional do seu jeito.

O que vivemos é uma era de confusão, tanto no terreno dos fatos quanto no dos valores. E, com confusão, não há sabedoria prática capaz de articular os níveis da democracia.

Resumindo: não há democracia empírica no Brasil.

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