O teatro como símbolo em Goethe
Mídia Sem Máscara
| 21 Abril 2011
Artigos - Cultura
A pista para compreender essa radical dimensão do teatro em Goethe está na sua autobiografia, Poesia e Verdade.
O teatro é mais que diversão, mais que tudo na obra de Goethe. É um símbolo. E o que é um símbolo? É o elemento metafórico capaz de comunicar à mente humana os elementos transcendentais. "É o nada que é tudo", no dizer de Fernando Pessoa. Wilhelm Meister em busca de seu destino acaba no teatro representando Hamlet. A mulher que ele ama é atriz, Mariane, ela própria um símbolo. Na cena inaugural do romance ela veste uma roupa masculina militar, algo insólito, como se fosse uma representação do andrógino, o mesmo andrógino que muitas vezes surge entre os personagens do alemão. No Fausto, o diretor do teatro é o primeiro personagem, assim como o poeta (libretista) e o bufo. O que é o teatro em Goethe?
É a própria vida humana, que cumpre um script, um desígnio previamente traçado. Existir no mundo é executar essa representação previamente estabelecida ao nascer. A vontade precisa ser a vontade de executar aquilo para o que se foi criado. O destino é a vocação. Como Wilhelm Meister, ninguém a ela escapa. É fazer prevalecer a individualidade dentro da circunstância encontrada. É a vontade prevalecendo dentro da representação. Mesmo os encontros amorosos estão assim determinados, basta ler no romance Afinidades Eletivas, o encontro marcado.
A pista para compreender essa radical dimensão do teatro em Goethe está na sua autobiografia, Poesia e Verdade. Na primeira linha o autor descreve os aspectos astrológicos por ocasião do seu nascimento. O alemão morreu convencido da justeza e da procedência dos determinantes astrológicos na definição da personalidade e da vocação de cada um. Nisso ele seguia fielmente os antigos, que viam a correspondência entre os trânsitos planetários e os acontecimentos na vida individual e coletiva. Tentar negar a vocação e o próprio ser seria frustrar a própria existência, mesmo falsificá-la. Seria negar a vontade divina.
Por isso sua obra magna, Fausto, é uma peça de teatro na forma de versos, por que o verso é tido como a expressão artística mais apropriada para falar a linguagem de Deus. Fausto é uma peça de teatro escrita sob o manto da hipérbole poética, uma perfeição artística. Mas - note-se bem - Fausto não é para os palcos, de tão longa e de difícil representação. Fausto é a descrição da própria existência íntima do autor, em consonância com a sua vida política e social. Descreve a obra o que Goethe viu, tanto quanto o que viveu e pensou. Levou sessenta anos para ser concluída. Daí o encanto e estranheza que causa aos leitores da atualidade. Para as mentes herdeiras do positivismo ateu do século XX entrar na simbologia do Fausto é exercício por demais espinhoso e difícil. O desprezo pela astrologia é ainda maior do que o desprezo pelas religiões em geral.
Por esse aspecto arquetípico é que o teatro encanta a humanidade desde os tempos imemoriais, pois é a linguagem que une o homem ao criador. O teatro é o lócus no qual fala Deus ao homem e o homem a Deus. A forma mais recente assumida pelo teatro - ou a representação - é o cinema. Bem podemos ver a magia que causa, em todos os meios onde é exibido, inclusive na TV. Teatro na lanterna mágica é o que há de específico na modernidade.
O passo inicial para compreender a obra de Goethe, toda ela, é ter em mente a sua visão do teatro. Sem ter claro esse descortino é impossível compreender o que escreveu o maior dos escritores alemão.
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