Edmund Burke nunca veio ao Brasil
Bruno Garschagen | 04 Abril 2011
Artigos - Conservadorismo
É preciso lembrar que Burke não qualificava o conservadorismo como uma ideologia, contra a qual ele se insurgia por entender que em nome desta os homens cometiam as piores atrocidades.
O site da Veja publica bem-vinda matéria sobre a ausência de partidos de direita no quadro político brasileiro, apropriadamente batizada de O incrível caso do país sem direita.
Mas o terceiro parágrafo é equivocado. Ei-lo:
O primeiro a definir o conservadorismo como uma doutrina política foi o inglês Edmund Burke, no século XVII. Esta corrente política considera que os indivíduos realizam as coisas melhor do que o estado. Que as liberdade individuais devem ser mantidas a todo o custo. E que os valores tradicionais da sociedade devem ser preservados. Nas democracias modernas, o conservadorismo se traduz como uma recusa ao estatismo, a defesa do livre mercado, a proteção da família e a oposição a medidas como a legalização de drogas e do aborto.
Primeiro, o termo conservadorismo aplicado à política remonta ao século XVII na Inglaterra com os Tories durante a Restauração. Segundo a historiografia especializada, o pai fundador do conservadorismo inglês é Richard Hooker, que morreu em 1600 e nem viu a emergência do conservadorismo na política. Edmund Burke (1729-1797) é classificado pelos historiadores políticos como o pai do conservadorismo anglo-saxão moderno. O interessante era que Burke fazia parte do Partigo Whig, dos liberais, e foi combatido pelos conservadores tories por sua defesa da Revolução Americana e da emancipação da Igreja Católica.
A afirmação do início do parágrafo, de que Burke fora o primeiro a definir o conservadorismo como uma doutrina política, está equivocada porque não há qualquer registro que fundamente tal afirmação. Também é preciso lembrar que Burke não qualificava o conservadorismo como uma ideologia, contra a qual ele se insurgia por entender que em nome desta os homens cometiam as piores atrocidades.
Opositor da escola racional do Iluminismo Continental, Burke verificou que a ideologia passou a ocupar o lugar de outras instituições, como o das religiões em declínio, e que um dos grandes problemas da Revolução Francesa era, em nome de uma ideia abstrata de liberdade, impor um projeto de perfeição política em nome da igualdade coerciva, que, no fundo, era um crime contra a natureza humana.
As características atribuídas ao conservadorismo no parágrafo citado está mais próxima dos Republicanos dos Estados Unidos do que da filosofia política conservadora, que não tem um plano nem um projeto político e nem pretende tê-los ou desenvolvê-los.
Acho que o grande problema da matéria é não definir à partida se se refere ao pensamento conservador ou ao estatuto político de partidos considerados conservadores, e o devido enquadramento do conservadorismo a ser tratado, se americano, inglês ou europeu continental. Tais definições são fundamentais para esclarecer aquilo que se pretende dizer ou explicar.
O site de Veja publica também uma importante entrevista com Olavo de Carvalho, que explica quando e como a esquerda ocupou os espaço e promoveu sua revolução cultural no Brasil durante o regime militar.
Bruno Garschagen é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica de Lisboa / Universidade de Oxford. Gerente de Relações Institucionais do OrdemLivre.org.
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