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sexta-feira, 1 de abril de 2011

O ABC de Alejandro Peña Esclusa

Mídia Sem Máscara

Alejandro Peña Esclusa, em entrevista, fala do calamitoso estado atual das instituições venezuelanas, e reitera a denúncia: "O sistema judiciário venezuelano está absolutamente corrompido e a serviço do chavismo. Não existe nenhuma possibilidade de um julgamento justo para um perseguido político."

Alejandro Peña Esclusa é, desde há oito meses, outro preso político. Desses que o governo nega por ação e boa parte dos dirigentes opositores, por omissão. Porém, o certo é que ele está preso em El Helicoide, estranha estrutura construída por um ditador, esquecida pela democracia e destinada pelo regime chavista para armazenar ali a dissidência. Nessa rotunda lúgubre e deprimente, feia e inóspita, ele passa todas as horas de todos os dias, contando tão-somente com um tempo de sol a cada quinzena e o pouco generoso espaço de uma cela onde se apinham os livros, uma minúscula mesinha de madeira, a cama e ele. Dois dias na semana recebe visitas, porém sua ocupação mais importante é manter o espírito elevado. Estas são suas reflexões para os leitores de "ABC de la Semana".

Quais eram suas atividades antes de cair preso?

Eu exercia minhas funções como Presidente de UnoAmérica, uma extraordinária plataforma que agrupa 200 organizações latino-americanas, sobre a qual vale a pena dedicar uma reportagem. Ademais, presido uma das associações venezuelanas mais valiosas e combativas, Fuerza Solidaria.

Quanto ao plano intelectual, escrevia muito - e continuo fazendo - por ser autor de livros, articulista, correspondente de um jornal argentino, e membro da Academia Brasileira de Filosofia. Já estando no cárcere, fui nomeado diretor do Inter-American Institute.

Qual é o delito de Alejandro Peña?

Formalmente me acusam de conspirar contra o Estado. Porém, meus verdadeiros "delitos" são me dedicar durante 17 anos a denunciar Chávez verbal e penalmente, por seus nexos com as FARC, e criar uma corrente política continental distinta, do Socialismo do Século XXI.

Que alegações fundamentais sua defesa mantém?

Basicamente três: não existem testemunhas contra mim, porque nenhuma aparece no processo; a invasão da minha casa está cheia de irregularidades e os funcionários plantaram evidências (presumíveis explosivos); e tanto o promotor quanto o juiz seguem ordens do oficialismo.

Quais elementos estão presentes neste processo que revelariam um fundo falso político?

O governo leva anos desenvolvendo uma campanha de calúnias contra mim, para me incriminar e para dar credibilidade a qualquer montagem que houvesse contra mim. O próprio Chávez participou dessa campanha. Antes de invadirem minha casa, deixei gravado um vídeo advertindo de que o governo me envolveria falsamente em um delito. O semanário "La Razón" advertiu sobre a incursão policial em minha residência. É absurdo que eu guardasse explosivos em minha casa sabendo que iam invadi-la.

O senhor pressentia que sua luta derivaria em prisão? Imaginava que seria vítima de imputações semelhantes?

Eu estava absolutamente seguro de que Chávez me poria preso. Desde há dois anos adverti a todos os meus familiares e amigos, dentro e fora do país, de que se preparassem para meu encarceramento. Para o governo era inaceitável que eu continuasse denunciando internacionalmente o Socialismo do Século XXI e que continuasse fazendo acusações contra Chávez, como a que apresentei ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Que possibilidades tem um réu, sob este regime, para provar sua inocência e sair em liberdade? Bons advogados e argumentos firmes garantem o devido processo neste país?

O sistema judiciário venezuelano está absolutamente corrompido e a serviço do chavismo. Não existe nenhuma possibilidade de um julgamento justo para um perseguido político.

USA-SE O SISTEMA JUDICIÁRIO PARA PERSEGUIR POLÍTICOS

O que sente alguém privado de liberdade quando se inteira de que a presidente do máximo tribunal do país manifesta não estar de acordo com a divisão de poderes?

Em meu caso, não me surpreende nada. Pelo contrário, é positivo que ela mesma o confesse publicamente, para que não reste nenhuma dúvida de que na Venezuela não existe democracia nem independência de poderes.

Que papel desempenha a pressão da sociedade para o objetivo de fazer justiça na Venezuela?

A única forma de recuperar a democracia, as liberdades e a independência do sistema judiciário é que as pessoas pressionem, mediante protestos pacíficos. Do contrário, o sistema judiciário vai continuar sendo utilizado para perseguir opositores políticos, e não para combater a delinqüência que tem açoitado o país.

Como o senhor avalia a atividade dos jovens universitários em prol de conseguir a liberdade dos presos políticos?

Eles foram, sem dúvida, os que conseguiram as libertações de alguns prisioneiros políticos e demonstraram que o sistema judiciário acata ordens do Executivo. Também ensinaram aos venezuelanos como enfrentar o regime de Chávez: com caráter e com determinação, arrancando desta tirania os direitos que nos correspondem.

Que lições o senhor foi aprendendo durante estes 8 meses na prisão?

Creio que o cárcere é para um dirigente político o que o treinamento é para um desportista. Serve para se enriquecer, se fortalecer, se preparar e crescer internamente. Sinto-me mais forte, mais orgulhoso e mais venezuelano do que nunca. O cárcere serviu para identificar-me plenamente com a nossa história e com o povo venezuelano, mas também para conhecer melhor os problemas do nosso país.

O que significa uma prisão política para uma sociedade e quê dimensões tomou na Venezuela?

A vil perseguição que tem havido contra os prisioneiros políticos venezuelanos é um exemplo do que pode acontecer a qualquer um. A demissão dos empregados da PDVSA, o fechamento de RCTV, a lista Tascón, as inabilitações, os prisioneiros políticos, os exilados, os julgamentos abertos, a perseguição contra operadores financeiros e construtores, são todas mostras de um mesmo modelo totalitário no qual ninguém está a salvo.

Ainda há gente que questiona a existência de presos políticos no país... O que o senhor crê que motiva esta postura?

O governo não reconhece a existência de prisioneiros políticos porque equivale a dizer que vivemos em uma ditadura. E alguns dirigentes e opositores não querem mencionar o tema porque parecem querer se dedicar só aos assuntos eleitorais.

O senhor se considera um "político preso"?

Eu sou o único dos prisioneiros políticos que se dedica única e exclusivamente à política, à qual entreguei 27 anos de vida.

Por que há presos cujos casos são "negociáveis" e outros que qualificaram-se como "inviáveis"?

O governo não quer reconhecer que existem presos políticos, quer dizer, vítimas inocentes que foram injustamente encarceradas por motivações políticas. Até agora soltou alguns porque, depois de estarem presos por muitos anos, lhes correspondiam benefícios processuais ou porque adquiriram imunidade parlamentar. Aos demais não os quer libertar porque se nega a admitir que seus julgamentos estavam trapaceados e que, em muitos casos, os verdadeiros culpados estão no governo. O ministro El Aissami não quer falar do meu caso porque foram seus próprios funcionários, a mando do delegado David Colmenares, que plantaram os supostos explosivos na escrivaninha da minha filha mais nova.

O senhor acredita que o fato de que alguns presos tenham sido postos em liberdade mostra disposição ao diálogo por parte do governo, ou debilidade ante a pressão mantida por parte de setores sociais dispostos a mantê-la?

Este governo não dialoga nem dialogará. Só cede quando está contra a parede. O governo percebeu que os jovens em greve de fome estavam inspirando os venezuelanos a se libertar desta ditadura, e decidiu soltar alguns presos para baixar a pressão.

"RECEBI A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL"

Há quem tenha manifestado estar convencido de que Alejandro Peña é um preso do governo cubano. O senhor sente dessa maneira?

Sim, é assim. Penso que o governo de Chávez é uma simples sucursal do regime cubano. Portanto, todos os males que estamos padecendo são produto da subordinação de nosso governo aos cubanos, incluindo a montagem contra mim.

Seu movimento, UnoAmérica, mais enfocado à denúncia no exterior e/ou sua postura política mais radical que a de outros atores da oposição frente ao governo venezuelano, são fatores que poderiam explicar a menor ressonância interna de sua situação com respeito à de outros presos?

Até agora, dentro da Venezuela meu caso não teve a repercussão desejada porque não pertenço ao "establishment" político. Isso deve-se a que levo dez anos dizendo que a única maneira de conseguir uma mudança de governo na Venezuela é invocando os Artigos 328, 333 e 350 da Constituição. E essa posição se choca com a postura oficial dos partidos políticos. Espero que os eventos do Oriente Médio sirvam para mudar a falsa opinião que algumas pessoas têm sobre a efetividade e a legitimidade do 350. Há quem prefira esperar até as eleições de 2012 para resolver os problemas do país, porém creio que é nossa obrigação considerar outras opções pacíficas e constitucionais. Sobretudo tendo em conta o desespero das pessoas, as violações dos direitos humanos, a destruição da economia, a perseguição contra gente inocente e tantos outros graves problemas que a Venezuela sofre.

Foi importante o respaldo internacional em seu caso?

Os apoios internacionais que recebi em razão de minha detenção arbitrária são impressionantes: vinte e três parlamentares europeus, a bancada opositora do Congresso da Bolívia, a Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos, o Governo do estado de Alabama, o Vice-Governador do estado de São Paulo, entre outros. Também pronunciaram-se instituições como o Inter-American Institute, a Associação Justiça e Concórdia (que agrupa 400 advogados argentinos), a Academia Brasileira de Filosofia, a Associação B'Nai B'Rith do Rio de Janeiro, a União Cívica Democrática de Honduras, o Partido Convergência da Espanha, a Fundação Um Milhão de Vozes contra as FARC, a Federação Verdad Colombia, além de acadêmicos, parlamentares, políticos, intelectuais e prelados da América Latina, Estados Unidos e Europa.

Como o senhor sente a solidariedade por parte dos venezuelanos?

Dói profundamente ao povo venezuelano a injustiça que se comete com os prisioneiros políticos. As manifestações populares que temos recebido são impressionantes e comovedoras, e se expressam de muitas maneiras, que vão desde cartas e mensagens, até as orações diárias pedindo por nossa liberdade. Creio que os jovens grevistas deram uma grande lição política de compromisso, de valentia e de solidariedade humana.

O que é mais grave para um preso: o encerro ou o esquecimento?

Definitivamente o esquecimento, mas esse não é o nosso caso. As pessoas simples gostam e lembram-se de nós todos os dias.

Que perspectivas o senhor vê na luta dos venezuelanos para recuperar a democracia?

Sou muito otimista. Este governo derruba-se e logo recuperaremos as liberdades e a democracia. O povo está despertando e estão surgindo novos líderes do seio da sociedade. Entretanto, é necessário continuar lutando duro para obter o triunfo.

Como se vive o tempo na prisão? Como afeta a dinâmica familiar a separação forçada?

No meu caso eu estava preparado psicologicamente para viver em meu "irmão cárcere", como o chamo. Estudo, leio, escrevo, pratico esporte, ensino karatê a meus companheiros e rezo todos os dias. O cárcere é muitas vezes um estágio necessário na formação integral de um líder político, e assim o assumi. Na realidade, estou mais preocupado pelo sofrimento de minha família do que pela minha própria situação.


Fonte: Analitica.com

Tradução: Graça Salgueiro

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