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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

História, meta-história, e os métodos de investigação

Mídia Sem Máscara

Atualmente, visualizamos uma multidão generalizada de “demiurgos da história”, possuidores da “fórmula universal”.

A historiografia clássica crê que a veracidade da história consiste na aceitação de que a história é um composto de fluxos, perspectivas e contradições inerentes a realidade concreta. Nessa perspectiva, a história é apresentada por recortes, não por períodos separados por predominância ideológica ou cultural. Pelo conjunto dos acontecimentos que, de fato e de iure, ocasionaram a mudança ou progressão dos eventos decisivos. A história é entendida, portanto, como uma constante tensão de ordem e desordem.

Nesse particular, a metodologia do estudo historiográfico consistiria na espiral de inúmeras ressurreições dos acontecimentos sucessivos, entendidos dentro do cenário concreto das relações de poder. História, diante disso, seria uma “história” dos fatos decisivos que acarretaram mutações e/ou manutenções de padrões morais e políticos.

Evidentemente, para o historiador analítico, o acesso ao conjunto dos acontecimentos encontra no legado documental e na força dos símbolos da cultura sua raiz primogênita. Não obstante isso, em toda “interpretação da história” há, em última análise, uma filosofia da história subjacente à análise que acaba por permear toda a abordagem empreendida. Por isso, percebemos olhares tão antagônicos entre os historiadores com relação aos temas e acontecimentos que marcaram a civilização. Por exemplo, a análise de um marxista sobre a revolução francesa é bastante distinta daquela realizada por um liberal. Ambos apóiam-se no mesmo acontecimento. Até sobre o mesmo conjunto de fontes documentais, oficiais e biográficas. Porém, sedimentados num determinado “paradigma norteador”, observam o “sentido” do acontecimento segundo uma cosmovisão subjacente. Assim, a tarefa de historiador transfigura-se no de um agente intelectual movido sobre um fio que separa dois mundos: o mundo dos fatos e o terreno das ideologias. Poderíamos até dizer assim: de um lado, seu compromisso frente aos acontecimentos e as fontes primárias e secundárias; de outro, sua tentação de transformar-se num filósofo da história, procurando encontrar nela uma fisionomia determinadora do sentido da realidade concreta. Como se o historiador vivesse na tangente, sendo por vezes um regente analítico e n´outras ocasiões apenas um refratário condutor, em suma, entre alguém que está na história e, no instante a seguir, salta a um patamar superior. Essa tensão é, talvez, a própria expressão de uma das maiores dificuldades na vida de um historiador. Manter-se fiel ao conjunto dos fatos, ou então saltar para além de si mesmo e de suas circunstâncias, assumindo a falsa identidade de um demiurgo do tempo histórico. Chega a patologia espiritual e cognitiva de fazer crer a todos quantos que a narrativa temporal da história é de autoria suya.

O dilema contemporâneo da investigação histórica encontra raízes profundas na erosão ocasionada pelo fetichismo do método. Se há método, há validade! A correspondência entre método e validade implicou na fratura visceral do tecido investigativo. Então, ou é historicismo ou teoria da história. Ou pragmatismo ou ideologismo. A frontal redução da análise investigativa aos aclamados “métodos de investigação das ciências sociais” acalentou a dispersão de inúmeras teorias “válidas” no ambiente universitário. Atualmente, visualizamos uma multidão generalizada de “demiurgos da história”, possuidores da “fórmula universal”.

É um princípio evidente o de que o sentido da história só é percebido pela inteligência e não pela conjunção dos fatos e narrativas históricos desconexos entre si. É na percepção da unidade articuladora entre a narrativa e a ordem, ou seja, no confronto da memória com o entendimento que se afigura uma fisionomia potente, sem a qual a narrativa não teria qualquer senso unitivo. Mutatis mutandis, só discirno o recorte entre diversos tempos e narrativas quando salta aos olhos um chamariz litúrgico que me faz mergulhar na história sem condicionamentos: uma empresa substancial por debaixo da superfície existencial.

Hoje, porém, boa parte dos cursos universitários não forma historiadores cientes da tensão de que falamos. Pelo contrário, o estudante é incentivado a dar o salto para além de si desde o primeiro semestre, não para “reconhecer” a verdadeira fisionomia inserida na substância da realidade, mas para “determinar” de acordo com sua ideologia barata o quadro da validade analítica. Quando as mentalidades acadêmicas da atualidade, acostumadas na sedução fisionômica da filosofia da história marxista, encontram na dialética materialista da luta de classes a espiral sobre a qual toda a ordem de acontecimentos históricos se sucedeu, e então temos um impasse: ou o estudante migra direto para a fisionomia potente, estudando toda a ordem de acontecimentos segundo a pseudo cosmovisão orientadora, mesmo que a história em si mostre a impossibilidade de a teoria marxista explicar todo o orbe de fatos, ou então o estudante rejeita essa porcaria, vinculando-se desde o início de sua vida intelectual à realidade e não a uma teoria qualquer sem fundamento da ordem das coisas.

Portanto, caros investigadores, não caiam nesse engodo. Mantenham-se fiéis à realidade, e não àquilo que lhes impõem como certo e absoluto. Por “maravilhosos” que os “formadores de opinião” possam ser, nunca esqueçam de que eles não são superiores a história. Suas opiniões podem corresponder a realidade de algum modo, mas ainda assim são “opiniões”. A história é maior do que a existência deles. E o emotivismo deles, o fato de serem “pessoas maravilhosas” e/ou “respeitadíssimas no círculo universitário” não quer dizer que sejam fiéis à verdade e ao conhecimento. Não procurem a amizade, mas sempre a verdade em primeiro lugar. Se o sujeito quiser ser seu amigo, ele o será por seu vínculo com a verdade e não por emotivismo ou por interesse. Ademais, não se valham de ideologias - seja qualquer que seja - para abordar a realidade da história. Sua sede pelo conhecimento deve ser permeada pela realidade. É ela quem deve conduzir sua inteligência, não falsificações mascaradas e produtos ideológicos de massa.

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