Mídia Sem Máscara
Escrito por José Maria e Silva | 28 Setembro 2011
Artigos - Conservadorismo
O Brasil, em seu dia a dia, é muito diferente daquela sociedade de proveta criada pelos acadêmicos das universidades e da ONU, geralmente ligados ao PT e ao PSDB.
A Nação precisa, com urgência, de um partido de direita, que tenha a coragem de defender não apenas a economia de mercado, mas também a moral, os bons costumes e leis penais mais rígidas.
Lugar de criança é na escola — mas seu principal direito é o dever de estudar. A saúde é um direito de todos — e uma obrigação não só do Estado, mas também de cada um. Os direitos humanos dos presos devem ser respeitados — mas isso não pode eximi-los de pagar por seus crimes desumanos. A propriedade deve cumprir com sua função social — que é, em primeiro lugar, garantir a existência e a liberdade do indivíduo.
Se você é um feroz defensor da primeira parte de cada uma dessas afirmações, então, é de esquerda e pode dormir em paz com a ONU, as universidades e a imprensa. Agora, se for a favor da segunda parte (mesmo que não seja contra a primeira), então, tome cuidado: você não passa de um cão raivoso da direita e corre o risco de ser execrado até na escola de seus filhos. E se for uma figura pública, prepare-se para o opróbrio na mídia e o ostracismo institucional: além de atacado na imprensa, jamais será chamado para conferências, comissões e movimentos que tratam de assuntos públicos.
Ser direita no Brasil é mais feio do que xingar a mãe. Por isso, não existe nenhum partido político de direita no país. Dos 27 partidos registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 10 são declaradamente de esquerda, com princípios socialistas estampados no próprio nome. São eles: PT, PC do B, PSTU, PCB, PCO, PSOL, PSB, PPS, PV e PDT. Já a classificação ideológica dos outros 17 varia conforme a conveniência desses 10 que se declaram de esquerda e têm hegemonia na imprensa e nas universidades. Em ano de eleição, por exemplo, o PSDB é tratado como partido de direita e é chamado de “neoliberal” e “fascista” pelo PT, mas, fechadas as urnas, petistas e tucanos se abraçam no campo dos costumes, defendendo tudo o que lhes parece progressista, como o casamento gay e a liberação das drogas.
Isso faz do PSDB um partido de centro-esquerda, por mais que o PT finja que os tucanos são de direita. O próprio Fernando Henrique Cardoso vive tentando provar que entende mais de Marx do que os petistas e que seu governo não foi neoliberal e, sim, de esquerda. Sem dúvida, está coberto de razão. Lula nasceu na incubadora da USP, filho bastardo da cruza ideológica da filósofa Marilena Chauí com o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Já o PSDB não passa de um “aggiornamento” weberiano de Karl Marx (1818-1883), pois, no Brasil, todo discípulo de Max Weber (1864-1920) tende a ser um marxista disfarçado. A influência de Weber nas universidades brasileiras tornou-se avassaladora justamente quando a fanática profissão de fé em Marx foi abalada pela queda do Muro de Berlim, em 1989, e pela derrocada da União Soviética, logo a seguir.
História de aluguel
Se o PSDB é, sem dúvida, um partido de centro-esquerda, parece não haver dúvida que o PMDB é um partido de centro. Tanto que nem seus adversários costumam acusá-lo de pertencer à direita. O velho partido de Ulysses Guimarães (1916-1992), que remonta ao MDB do bipartidarismo militar, mantém-se no centro do espectro político, guinando à esquerda ou a direita conforme suas conveniências regionais. Enquanto o PSDB tem uma ideologia definida no campo dos costumes, que o leva a atuar quase em bloco com o PT em áreas como segurança pública, o PMDB é tão heterogêneo e moderado quanto a própria nação. Por ter nascido com o pluripartidarismo, ele já perdeu de imediato as franjas de esquerda mais radicais, que migraram para o PT de Luiz Inácio da Silva, o Lula (que, na época, ainda não tinha incorporado o apelido ao nome), e para o PDT do caudilho gaúcho Leonel Brizola (1922-2004), partidos fundados na mesma época.
Posteriormente, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro de 1987, o PMDB se definiu de vez como um partido de centro, ao perder segmentos mais à esquerda. O PC do B — que, mesmo legalizado em 10 de maio de 1985, mantinha seus principais quadros sob o guarda-chuva peemedebista — acabou seguindo vida própria e, em 1989, nas eleições presidenciais, aliou-se pela primeira vez ao PT, com quem se engalfinhava no movimento estudantil. Desde então, o PC do B deixou de ser uma corrente interna do PMDB para se tornar um partido-satélite do PT — sempre fiel à sua história de se alinhar ao poder de plantão (fosse ele PMDB ou PFL), sob o pretexto de que ainda não é chegada a hora de dar o golpe stalinista e fazer a Revolução proletária. Isso faz do PC do B a mais histórica sigla de aluguel do País.
A outra defecção que ocorreu no PMDB durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, contribuindo para defini-lo como um partido de centro, foi a debandada de sua “Paulicéia Esclarecida”, representada por Franco Montoro (1916-1999), Mário Covas (1930-2001), Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Inconformado com a hegemonia de Orestes Quércia (1938-2010) no PMDB, esse núcleo paulista, juntamente com o mineiro Pimenta da Veiga (que foi ministro das Comunicações do governo FHC e hoje cria gado zebuíno em Porangatu) iria fundar o PSDB. O programa do novo partido, redigido a quatro mãos pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso e o economista José Serra, falava textualmente em “confluência de diferentes vertentes do pensamento político contemporâneo”, citando como exemplos “liberais-progressistas, democratas-cristãos, sociais-democratas e socialistas-democráticos”.
Empresário-saci
E o que dizer de partidos como DEM, PP e PTB, comumente referenciados como representantes da direita até em trabalhos acadêmicos? Sem dúvida, eles parecem ser de direita, quando se analisa sua posição nas questões macroeconômicas, mas o caráter direitista de suas propostas não costuma ir além da defesa da propriedade privada. E nem mesmo se pode dizer que são defensores da iniciativa privada, pois uma coisa não se confunde necessariamente com a outra. É comum vermos defensores radicais da propriedade serem, na prática, inimigos viscerais da iniciativa privada. Ou seja, o sujeito defende a “sua” propriedade privada, mas não gosta da livre concorrência. Essa contradição tem raízes históricas: num país patrimonialista como o Brasil, que nasceu com as capitanias hereditárias, é muito comum a figura do empresário-saci — aquele que anda sobre a perna do lucro e amputa a perna do risco.
Nem mesmo um empresário paradigmático como Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, consegue escapar desse vício do capitalismo brasileiro, que leva o empresariado a privatizar lucros e socializar prejuízos. O Grupo Pão de Açúcar, que nasceu em 1959, é, sem dúvida, um exemplo de sucesso do capitalismo no País e não se pode negar os méritos de seu criador. O Pão de Açúcar, que esteve à beira da falência em 1990, associou-se ao grupo francês Casino e, hoje, está presente em 18 Estados, com 145 mil funcionários, 1.647 lojas, 81 postos de combustíveis e 153 drogarias, fechando 2010 com R$ 32 bilhões em vendas. O grupo, além das redes Pão de Açúcar e Extra, também comprou o Ponto Frio e se associou às Casas Bahia, além de avançar no comércio eletrônico, que é liderado pelo Submarino (totalmente virtual) e pelas Lojas Americanas.
Mas nem Abílio Diniz, construtor desse império, consegue ficar longe do Estado. Amigo do economista Mario Henrique Simonsen (1935-1997), que o convidou para integrar o Conselho Monetário Nacional entre 1979 e 1989, o fundador do Grupo Pão de Açúcar parece ter gostado da proximidade com o governo. Em junho último, o empresário queria ter o BNDES (Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico e Social) como sócio em sua tentativa de fusão do Grupo Pão de Açúcar com o Grupo Carrefour. Dos R$ 5,6 bilhões previstos na operação, o BNDES iria bancar R$ 4,5 bilhões, segundo a imprensa. A justificativa do banco é que a medida iria contribuir para uma melhor colocação dos produtos brasileiros no mercado internacional. Ninguém acreditou nessa desculpa esfarrapada e, depois de editoriais dos grandes jornais criticando a fusão, Abílio Diniz desistiu do negócio.
Sócios do Estado
Mas o fim da tentativa de fusão entre os dois grupos não decorreu da reação negativa da imprensa brasileira e, sim, da determinação do Casino, o sócio francês do Pão de Açúcar. O empresário Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, veio pessoalmente ao Brasil se opor à proposta de fusão. Com isso, o BNDES resolveu não financiar o negócio e, com a desistência do banco estatal, os dois grupos também desistiram de seguir em frente na tentativa de se juntarem. Isso põe em xeque as alegações de Abílio Diniz e do próprio BNDES de que a fusão seria um bom negócio para todos, não só para o Estado brasileiro e os dois grupos envolvidos, mas até para os demais varejistas, que não veriam a livre concorrência reduzida no setor.
Sem a reação determinada do Casino, é bem possível que o governo Dilma Rousseff conseguisse convencer a sociedade que a fusão era um bom negócio para o País. Não lhe faltaria nem mesmo apoio — ou ao menos o silêncio — acadêmico e sindical. E a muda anuência desses dois segmentos — sindicatos e universidades — já seria suficiente para anular o efeito negativo dos editoriais da grande imprensa. As universidades brasileiras, que costumam ser críticas ferozes do capitalismo, advogando explícita ou implicitamente o socialismo, não teriam nenhuma dificuldade em justificar a fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour. O socialismo só significa partilha de bens na teoria. Na prática, quando açambarca o poder, ele vira capitalismo de Estado. É sua sina, como intuía Émile Durkheim (1858-1917). Como é impossível governar apenas com igualdade e fraternidade, o socialismo tem de se render à produção e à ordem.
O sociólogo francês Alain Besançon, que já antevia a derrocada do comunismo muito antes da queda do Muro de Berlim, mostra que nem mesmo a União Soviética de Stalin podia prescindir do apoio do capitalismo ocidental, que, por sua vez, não se furtava de ajudá-la. Mais ou menos o que continua ocorrendo, hoje, com o comunismo chinês, em que um governo forte e opaco, senhor da vida dos cidadãos, convive perfeitamente bem com as empresas multinacionais. No Brasil, ainda que em menor intensidade, ocorre algo parecido: nunca antes na história deste País, como diria Lula, o empresariado esteve tão umbilicalmente ligado ao governo. E o PT, que antes mesmo da eleição de Lula, já dividia o poder no País por meio dos fundos de pensão, é o autor dessa façanha.
Dupla corrupção
Os fundos de pensão das estatais, o imposto sindical e o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalha-dor) foram fundamentais para a sobrevivência dos partidos de esquerda antes da eleição de Lula. Há muito os sindicalistas da CUT têm assento na diretoria dos fundos de pensão e seus sindicatos se beneficiam do imposto sindical e de convênios financiados pelo FAT. Ainda que esses recursos públicos tenham sido empregados sempre honestamente (o que é duvidoso), o simples fato de financiarem os sindicatos, que estão na base eleitoral do PT, contribuíram, sem dúvida, para a força eleitoral do partido. A esquerda não seria viável eleitoralmente apenas com a retórica universitária e a simpatia da imprensa a seu favor. Eleição no Brasil é uma indústria — precisa de capital.
Prova disso foi o Pacto PT-PL nas eleições de 2002, que eu comparo ao Pacto Ribbentrop-Molotov, firmado entre Stalin e Hitler, que possibilitou à Alemanha nazista avançar sobre a Europa. O empresário José Alencar (1931-2011) morreu praticamente como herói e a sua aliança com Lula em 2002, do qual se tornou vice, foi vista como uma forma de vencer o preconceito do empresariado em relação ao candidato petista. Quando da morte de José Alencar, em 29 de março deste ano, esse mito foi ressuscitado na imprensa. Era como se Lula, depois de mais de 20 anos de vida pública e de vários governos do PT pelo País afora, ainda despertasse algum receio do empresariado. Justamente Lula, que, desde as greves do ABC, era considerado um líder sindical moderado, propenso a negociar com os empresários, em reuniões regadas a uísque.
Como se soube depois, durante o escândalo do mensalão, a aliança entre PT e PL não foi uma estratégia política, mas um arranjo financeiro. Como dizia o desbocado Tim Maia, o Brasil é o país onde “prostituta se apaixona, traficante cheira pó e cafetão tem ciúme”. E também o país onde o partido proletário é quem compra o partido burguês — acrescento, diante do pacto Lula-Alencar de 2002. Essa aliança entre PT e PL, segundo revelou o então deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB, custou R$ 10 milhões ao PT — sinal de que o partido já era parceiro do capital antes mesmo de chegar ao poder. Ou seja, o proletário Lula foi quem comprou o apoio do capitalista Alencar e não o contrário, como teria ocorrido em qualquer outra democracia do mundo. Só no Brasil o eleitor da esquerda é ludibriado duas vezes: seu candidato é quem paga (e não quem recebe) para ser corrompido ideologicamente.
Pasárgada política
Esse fato envolvendo o burguês e o operário (para usarmos as antigas categorias dos teóricos marxistas) é emblemático da hegemonia da esquerda no País. A espúria aliança entre PT e PL em 2002 jamais foi analisada devidamente pela imprensa ou pela academia, nem mesmo depois que estourou o escândalo do mensalão e ela foi desmascarada como negociata por um de seus protagonistas. Esse silêncio decorre mais da vergonha do que da cumplicidade. Se analisassem com isenção a referida aliança, a imprensa e a academia seriam obrigadas a confessar o viés esquerdista que tende a demarcar suas análises políticas.
Somente pelo fato de terem ajudado a fabricar e a manter o mito Lula é que a imprensa e a universidade foram enganadas pelo PT em 2002. Dizer — na época e ainda hoje — que a aliança com o PL serviu para viabilizar a candidatura de Lula junto ao empresariado é falsificar a história. Já no segundo turno das eleições de 1989, quando ainda era radical até na barba desgrenhada, Lula poderia ter tido o apoio do PMDB de Ulysses Guimarães e do PSDB de Mário Covas, que, sem dúvida, lhe abririam as portas da Globo e do empresariado. Mas Lula recusou esse apoio muito mais pelo contexto ideológico da época do que por vontade própria. Tanto que, em 1994, se não fosse o sucesso do Plano Real, ele teria sido eleito presidente da República com um sólido apoio social e econômico.
José Alencar nada acrescentou a Lula em 2002. A única coisa que o desconhecido empresário mineiro poderia ter oferecido ao mitológico candidato petista era o dinheiro de suas empresas. Credibilidade pública Lula tinha de sobra — com a imprensa, as universidades, a CNBB, os sindicatos, a OAB e as demais corporações liberais. Além disso, o PT já governava — sem traumas — diversas prefeituras. Com todo esse lastro social, qualquer político vive a sua Pasárgada: tem o empresário que quer no partido que escolher. É só estalar os dedos. Empresário não nada contra a corrente — ele vai aonde o poder está. Especialmente num país como o Brasil, em que a iniciativa privada é fortemente dependente do Estado.
Conservadores criminalizados
É por isso que, para a direita ter sucesso no Brasil, ela precisa abdicar do discurso economicista que caracterizava o PFL e continua sendo marcante no DEM, que trocou de nome (para pior), mas persiste nos mesmos vícios. Depois da saída de Kátia Abreu, goiana e senadora pelo Tocantins, a única novidade do partido é, sem dúvida, o senador Demóstenes Torres, que se tornou uma figura de prestígio nacional e pode ser o candidato do partido a presidente da República em 2014. Numa corajosa entrevista à revista “Veja”, publicada em 8 de junho deste 2011, o senador goiano disse não ter dúvida que o DEM precisa se assumir como “partido de direita” e disse que ser direita “significa defender o livre mercado, o mérito e a eficiência máxima do Estado”. Mas não só isso: Demóstenes também disse — e nisso reside sua maior coragem — que o DEM deve “representar o posicionamento conservador”.
Foi justamente essa coragem que faltou a José Serra e ao PSDB na eleição presidencial de 2010. Os tucanos não souberam defender a modernização do Estado brasileiro empreendida por Fernando Henrique Cardoso e deixaram que o PT capturasse e enclausurasse sua obra na pecha redutora da “privatização”, que o jornalista Elio Gaspari apelidou de “privataria”. Sei que não é fácil explicar essas questões no malfadado horário ditatorial pago do TSE, mas era preciso mostrar ao País que, antes de Fernando Henrique, o Estado brasileiro era totalmente privado, uma verdadeira capitania hereditária de políticos, empresários e sindicalistas. Foi a modernização de FHC — que vai além da mera privatização — que aproximou o Estado da sociedade, tornando possível serviços como o Vapt-Vupt, para ficar num só exemplo.
Mas esse discurso econômico-administrativo — apesar de muito importante — não seria suficiente para eleger José Serra. Para ser um candidato mais competitivo do que foi, o tucano deveria ter ouvido a voz das ruas e aceito o apoio espontâneo que os segmentos conservadores organizados lhe ofereceram durante a campanha. Tão logo ficou claro que a legalização do aborto era uma plataforma histórica do PT, defendida pela própria Dilma Rousseff, católicos e evangélicos iniciaram um intenso movimento contra a candidata petista, que resultou na intervenção da Justiça Eleitoral. Com a ajuda da imprensa, a Justiça Eleitoral criminalizou o legítimo posicionamento dos cristãos e, com isso, favoreceu o PT. Clero universitário
Devido à sua origem como esquerdista acadêmico, José Serra não teve coragem de enfrentar a patrulha ideológica dos intelectuais e deixou órfãos os religiosos que o defendiam. Com isso, não soube aproveitar o bom momento de sua campanha, em que o excesso de ousadia petista na promoção de sua pauta estatizante (na economia) e liberalizante (nos costumes) colocou em risco a vitória de Dilma Rousseff. Como mostram diversos estudos e pesquisas, a maioria da população brasileira é normal — logo, é conservadora. É preciso um pouco de loucura para acreditar no homem novo dos socialistas e outros revolucionários. Como dizia o Eclesiastes, nada há de novo sob o sol e a posição conservadora da maioria das pessoas nasce dessa sabedoria atávica — que move e mantém o mundo.
As revoluções são apenas espasmos, que precisam do dique da normalidade para terem alguma serventia. Esse espírito de revolução permanente que a esquerda quer impingir à sociedade é profundamente nocivo. Os pilares do mundo são a ordem e a hierarquia — inscritos no próprio DNA da humanidade, que não sobreviveria se não fosse sua capacidade de classificar o mundo em categorias inteligíveis, como mostra a antropologia. Esse é o seu forte, já que lhe falta a força física de outras espécies. Ainda não se inventou outro jeito de organizar os homens. Os intelectuais é que vivem num mundo à parte e — um pouco por dever de ofício, outro tanto por vaidade — costumam subverter a ordem das coisas, insistindo em ver o mundo pelo avesso. Daí a propensão do intelectual em glorificar o Mal — na arte, na filosofia e nas ciências.
E, como o clero do mundo contemporâneo é a intelectualidade acadêmica, a visão de mundo esquerdista contamina praticamente todas os segmentos sociais formados pelas universidades. É o caso dos operadores do direito, que sempre foram considerados direitistas por professores e estudantes das demais ciências humanas. Como a esquerda sempre criticou as leis do Estado capitalista, acusando-as de representarem os interesses da classe dominante, juízes e advogados eram tidos como esbirros do sistema, acusados de aplicar as leis da Casa Grande no lombo da senzala. “É legal, mas não é justo” — eis o que frequentemente se ouvia nos movimentos de trabalhadores, mulheres, negros, sem-terra e sem-teto no período da redemocratização do País, quando o ordenamento jurídico da Nova República ainda era majoritariamente constituído pelas leis herdadas do regime militar.
Esquerda constitucional
O Ministério Público — que é uma espécie de esquerda constitucional, incrustada no próprio corpo do Estado — reforçou ainda mais a guinada à esquerda dos operadores do direito, que hoje se reflete no próprio Poder Judiciário, especialmente no Supremo Tribunal Federal. Por isso, não é fácil para nenhum partido se assumir como direita. Se o DEM quiser seguir esse caminho, como propõe Demóstenes Torres, o ideal é que comece expurgando o nome de fantasia que importou da esquerda americana e recupere o “PFL” de antes. Afinal, um “Partido da Frente Liberal” representa melhor a sua história em prol da redemocratização do País. Sem o surgimento do PFL, a transição democrática seria, talvez, mais demorada e, sem dúvida, mais difícil. O PFL, ao trazer para os pilares da Nova República figuras históricas da antiga Arena, contribuiu para arrefecer a resistência dos militares ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves (1910-1985).
Além disso, para que o contraponto à hegemonia da esquerda seja deveras representativo, é necessário que o “partido da direita” arregimente diferentes segmentos da sociedade — até conflitantes entre si — mas capazes de se unirem em torno de causas comuns. Daí a importância de se propor novamente uma “Frente Liberal” que envolva defensores do livre mercado, religiosos pró-família e outros segmentos conservadores. O Brasil, em seu dia a dia, é muito diferente daquela sociedade de proveta criada pelos acadêmicos das universidades e da ONU, geralmente ligados ao PT e ao PSDB. Prova disso é que, enquanto os intelectuais universitários abominam toda espécie de autoridade (exceto a deles próprios), as pessoas comuns anseiam por ela. Tanto que as igrejas evangélicas continuam crescendo. Os pastores evangélicos ainda exercem autoridade e, com isso, preenchem uma lacuna deixada pelos padres católicos, que, influenciados pela Teologia da Libertação, criaram um Deus racional e igualitarista e, por óbvio, impotente, já que se reduz à insignificância humana dos fiéis, sem oferecer o poder e a emoção que os homens buscam na divindade.
Também na família e na escola os pais e professores se desesperam com a estatização de crianças e jovens promovida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com base na própria Constituição. Hoje, com ou sem o consentimento dos pais, e em nome da ciência produzida nas universidades, a escola julga-se no direito de distribuir camisinhas para crianças de 10 anos e ainda lhes ministra a mesma política de redução de danos criada para as bocas de fumo. E se os pais reclamam dessas bacanais teóricas de sexo e drogas — em que meninas de 11 anos são intimadas a vestir camisinha em avantajados pênis de borracha —, eles são chamados de retrógrados pelos intelectuais universitários que apoiam a permissividade do MEC, do Ministério da Saúde e das secretarias de Educação e Saúde do País.
Esse quadro decorre de uma divisão histórica do cenário político-administrativo do País — a quase total separação entre as áreas econômicas e sociais do governo. Mesmo os partidos considerados conservadores frequentemente recorrem a setores mais à esquerda para preencher cargos em áreas como educação, saúde e cultura. Isso desde os governos militares — o que facilitou a hegemonia de uma cultura de esquerda no País. E como a esquerda percebeu que é impossível implantar a igualdade, ela resolveu exacerbar a liberdade. Hoje, a esquerda virou o “Partido dos Direitos” — e dos direitos mais abusivos, que vão da permissividade sexual da ditadura gay até a liberação geral das drogas. Por isso, o Brasil precisa mais do que nunca de uma direita que tenha a coragem de ser o “Partido do Dever”. Afinal, um país se faz com liberdade para todos — autolimitada pela responsabilidade de cada um.
Publicado no Jornal Opção, de Goiânia, em 4 de setembro de 2011.