A REPÚBLICA DO BUTANTÃ NA HORA DA CRISE
Percival Puggina
24/01/2009
Nem sempre a opinião pública coincide com o interesse público. Um dos problemas essenciais da democracia consiste, precisamente, na necessidade, que muitas vezes ocorre, de agir em favor do interesse público adotando medidas que contrariam a opinião pública. “Sangue, suor e lágrimas” prometia Churchill... Isso se aplica, especialmente, àquelas ocasiões em que dificuldades estruturais ou conjunturais determinam impacto negativo na vida social. As coisas estão mal, os cidadãos estão desgostosos e a solução exigirá medidas impopulares. É a hora dos verdadeiros líderes.
O Plano Real fornece bom exemplo do que descrevo. Itamar Franco teve o grande mérito de convocar o grupo de economistas que concebeu o Plano. Na arrancada, ele garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso, mas não foi uma catapulta para a estabilidade e o crescimento econômico. Não era uma escadinha confortável para sair do fundo do buraco. Foi necessário escalar até o topo, segurando-se com as unhas e ralando os pés no esforço da subida.
Foi nesse quadro que a oposição petista, após oito anos de combate encarniçado contra o Plano e seus ingredientes (superávit fiscal, aumento da carga tributária, abertura ao mercado internacional, privatizações, cumprimento dos compromissos com a dívida externa, estímulo ao agronegócio), atrapalhou quanto pode a escalada da economia nacional. Com um discurso moralista e avesso às reformas em curso, chegou ao poder. E chegou ao poder – é bom ter presente o cronograma dos fatos – dois anos antes de as medidas começarem a produzir resultados, o que obrigou o governo Lula a amargar péssimos desempenhos da economia nos anos 2003 e 2004. Aí, a partir de 2005, em plena marolinha do mensalão, mas mantida a linha de atuação iniciada com Itamar, as coisas começaram a melhorar. E acabou a oposição.
Entendem-se as dificuldades dos oposicionistas em combater um governo que na gestão da economia cumpre o quinto mandato de Itamar Franco e saboreou até bem poucos meses o período mais promissor da vida econômica e social do país e do planeta nas últimas quatro décadas. E se entende, também, pelos mesmos motivos, a aderência (é mais do que mera articulação) e a bajulação (é mais do que mera cordialidade) do grande empresariado brasileiro às estrelas vermelhas que lhe aparecem na janela. Estão ganhando dinheiro, and that is the name of the game. Valores, para certo tipo de capitalismo, só têm significado quando conversíveis
Pois há algum tempo venho reconhecendo em Lula uma enorme capacidade de encantar serpentes. Atraiu para si praticamente toda a população do ofidiário hospedado no Congresso. Se o leitor se der à paciência de assistir o Jornal Nacional verá o que ele fez com a Globo. Examine isso, uma vez ou outra. Vale à pena. E dê uma olhada nos parceiros do nosso presidente na América Latina e no Oriente Médio.
Até aqui, o encantador de serpentes vem se dando bem. Ganhou votos combatendo o que hoje sustenta e depois passou a ganhar votos sustentando o que antes combateu. Ganhou votos atacando certos adversários e depois passou a ganhar votos buscando para parceiros aqueles a quem atacava. O homem tem uma capacidade de se fazer rodear de cobras. Essa é a sua força e é, também, a sua fraqueza; sua habilidade e sua debilidade. Cobras são animais perigosos, como ele mesmo pode ver em 2005, quando a República foi bater às portas do Butantã. E absolutamente nada indica que tenha saído de lá.
Contudo, aqui e no resto do mundo, o momento é para estadistas e não para encantadores de serpentes.
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