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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A esquerda brasileira e a crise econômica

Diário do Comércio

Reforma ou revolução é uma alternativa que voltou à cena pública, quando, para alguns, a questão parecia ter sido definitivamente enterrada com a queda do muro de Berlim.

Por Denis Rosenfield - 26/2/2009 - 19h44

A crise atual do capitalismo, sobretudo em sua face financeira, tem recolocado uma série de questões com respeito ao modo de enfrentá-la, desde uma perspectiva de esquerda e, ainda dentro dela, ao modo de superar o capitalismo, sob a ótica de implementação do socialismo. Reforma ou revolução é uma alternativa que voltou à cena pública, quando, para alguns, parecia definitivamente enterrada com a queda do muro de Berlim. Vejamos três correntes principais.

Comecemos com o PSDB, embora aqui já nos defrontemos com um problema de definição, visto que, no contexto político brasileiro, é um partido considerado por outros, de esquerd, como sendo de direita. No entanto, em sua formação, o PSDB se colocou como um partido de esquerda, de cunho reformista, retomando a grande tradição europeia dos trabalhistas ingleses e dos social-democratas alemães. Isto significa dizer que o PSDB reconhece a democracia representativa como um valor universal, o direito de propriedade (embora com limitações) e a economia de mercado. O projeto revolucionário de transformação da sociedade, nos moldes marxistas, foi abandonado.

Nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, frente à situação específica do Brasil, o governo emitiu sinais contraditórios, ora pendendo para posições mais liberais, ora pendendo para tradicionais posições de esquerda. Em sua aliança com o então PFL, adotou uma política liberal na privatização de estatais, na autonomia operacional do Banco Central – sobretudo a partir da gestão Armínio Fraga–, na Lei de Responsabilidade Fiscal, na eliminação e no enxugamento de bancos estaduais, na profissionalização da gestão pública e, mesmo, no atendimento dos mais necessitados através do bolsa-escola. Em sua linha mais à esquerda, contemporizou com o MST enquanto pode (só não foi além por falta de cooperação deste); tratava com desprezo os "ruralistas" e procurava manter pontes com a perspectiva marxista, que foi, em setores da oposição militar, de caráter muito generalizado. Aumentou, na linha social-democrata tradicional, a carga tributária em níveis muito elevados, apostando numa maior intervenção do Estado.

O PT, no governo, sobretudo sob a égide de Lula, terminou por adotar uma linha mais pragmática, tendo, em vários aspectos, se aproximado, de fato, de um perfil social-democrata e, mesmo, liberal, embora não ouse dizer o seu nome. O governo manteve, em linhas gerais, a política macroeconômica do governo anterior, embora tenha usado e abusado, demagogicamente, da "herança maldita". Um tucano foi chamado a dirigir o Banco Central, tendo este conservado a mesma autonomia operacional que vinha seguindo. Nenhuma privatização de empresas estatais foi revertida. Porém, o lado pragmático do governo não foi incorporado teoricamente pelo partido, que manteve o mesmo linguajar revolucionário, como se a revolução tivesse sido apenas postergada, dadas as condições peculiares da sociedade brasileira. A esquizofrenia se instalou no PT.

Progressivamente, um setor do partido foi realçando o seu lado "pragmático", apostando, mesmo, numa colaboração com as oposições. Contudo, outro setor manteve não apenas o antigo discurso, como partiu para um aparelhamento partidário do Estado, com o apoio do próprio presidente Lula. Começou todo um processo de "relativização da propriedade privada", particularmente intenso nas ações dos movimentos sociais, no seu financiamento e na sua impunidade. Questões quilombolas e indígenas ganharam uma dimensão nunca vista, com profundas repercussões fundiárias e de soberania nacional. A política externa do governo Lula terminou seguindo os parâmetros partidários. Por sua vez, o espaço de livre escolha dos cidadãos foi também limitado, tendo como questões emblemáticas as condições progressivamente restritivas de fumar e beber.

Neste contexto, intervém a crise atual. Do ponto de vista ideológico, penso que se pode dizer que ela ocorreu no pior momento. O PT não tinha ainda efetuado uma revisão de suas concepções e ideias, andando à deriva. A crise veio reforçar não a sua ala reformista, mas a sua ala revolucionária, como se a opção socialista tivesse voltado ao horizonte próximo. Em reunião do Diretório Nacional, no dia 10 de fevereiro, o partido publicou uma resolução em que afirma que após o muro de Berlim, um outro muro, o do capitalismo, caiu. Ou seja, o capitalismo estaria em franco processo de desintegração, suas idéias tendo perdido completamente validade. Alguns chegam a afirmar que a queda desse outro muro é ainda mais importante do que a anterior. A crise do capitalismo seria estrutural, e não uma de suas crises cíclicas, que, depois de sua reorganização, o colocam em um patamar mais elevado.

Por sua vez, o MST, em manifestação de uma de suas dirigentes, em artigo publicado na revista Sem Terra, proclama abertamente que essa organização deveria radicalizar as suas posições, vindo a atuar, inclusive, em zona urbana. À luta contra os produtores rurais e o agronegócio, seria acresc entada a luta contra a "especulação" urbana e as grandes empresas transnacionais. A avaliação do "movimento" é que a crise atual do capitalismo suscitaria um ascenso das lutas de massas no Brasil, ascenso esse já presente na Venezuela, na Bolívia, no Equador e no Paraguai. Teria chegado o momento de o Brasil seguir o mesmo caminho. Para tal, seria preciso aumentar as invasões de terras, as manifestações urbanas, atuando mais diretamente junto à opinião pública.

Nesse sentido, o governo Lula deveria ser forçado a radicalizar, vindo a acompanhar os seus congêneres bolivarianos, que adotam as posições do socialismo do século 20, tendo Cuba como modelo. Para eles, este é o "novo mundo possível", tanto proclamado no Fórum Social Mundial. Inclusive, a oposição do MST ao governo Lula é parte de um jogo de cena, visando a que este adote outra posição, a revolucionária. Ou, pelo menos, que não enxugue as suas fontes de financiamento e não impeça suas ações, frontalmente contrárias à lei.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRS

http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?canal=39&materia=11692

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