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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Brasil curvou-se de novo

Quinta-Feira, 19 de Fevereiro de 2009

Estadão

O governo brasileiro curvou-se mais uma vez à decisão argentina de impor barreiras ao comércio bilateral. Além de abandonar a defesa dos legítimos interesses da indústria e dos trabalhadores nacionais, autoridades brasileiras ainda afagaram ministros argentinos com a proposta de financiar as exportações da Argentina para o Brasil. As barreiras contra produtos brasileiros foram reforçadas a partir de setembro, quando se agravou a crise financeira internacional. Buenos Aires suspendeu as licenças automáticas de importação de 1.200 produtos, vários deles exportados pelo Brasil, e elevou os preços de referência para 120 tipos de mercadorias, numa ação voltada não só contra a indústria chinesa, mas também contra a brasileira.

Todas essas decisões serão mantidas, disse em Brasília o chanceler argentino Jorge Taiana, sem receber a menor contestação. Além disso, ele ainda propôs a adoção de barreiras conjuntas contra países de fora do bloco e a ampliação, para outros setores, do sistema flex adotado entre Argentina e Brasil no comércio do setor automobilístico. Esse sistema estabelece limites às vendas brasileiras. A resposta dos brasileiros, na reunião de ministros em Brasília, nesta semana, foi pôr panos quentes e propor a criação de um grupo de trabalho.

O governo argentino tenta justificar seu protecionismo com a necessidade de preservar setores industriais e com a acusação ao governo brasileiro de distorcer o comércio com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), embora esse financiamento esteja dentro dos padrões aceitos internacionalmente. "As normativas continuam vigentes", disse Taiana à imprensa, referindo-se às barreiras argentinas. "Assim como as do Brasil", acrescentou, dando a entender que há uma equivalência de situações.

Essa equivalência não existe, mas o governo brasileiro, em vez de contestar a mistificação, tenta comprar a boa vontade do parceiro protecionista com esquemas de crédito e de estímulos a investimentos, como se tivesse de pagar uma compensação por faltas que não cometeu.

Há uma distância imensa entre a cooperação e a solidariedade, sempre desejáveis entre vizinhos e parceiros, e as condições patológicas da relação entre os maiores sócios do Mercosul. O governo brasileiro se comporta como a mulher habituada a apanhar e disposta a continuar apanhando porque reconhece, no íntimo, as suas culpas. Nelson Rodrigues dissertaria facilmente sobre a diplomacia regional e terceiro-mundista seguida em Brasília nos últimos oito anos.

Não há como defender racionalmente essa diplomacia. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve a ilusão da liderança política regional, já deveria tê-la perdido. Nenhum parceiro do Mercosul votou a favor do candidato brasileiro na última eleição do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil também não conseguiu eleger o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A Argentina é contra a pretensão brasileira de ocupar um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU e, nas negociações comerciais, tem divergido sempre, nos momentos decisivos, das propostas brasileiras. No comércio bilateral, tem recorrido seguidamente ao protecionismo - sempre com a aceitação do governo brasileiro, mais empenhado em agradar aos vizinhos do que em levar em consideração os interesses da indústria nacional. O Itamaraty protesta, com toda razão, contra o protecionismo dos pacotes econômicos dos Estados Unidos e de países europeus, mas aceita passivamente o prejuízo certo imposto pelo parceiro mais próximo.

O chanceler Taiana também pressionou as autoridades brasileiras para regulamentarem o Mecanismo de Adaptação Competitiva, uma forma de sacramentar o protecionismo. Com isso, a indústria argentina teria mais uma forma confortável de evitar a verdadeira adaptação - o investimento produtivo. Apesar do decantado crescimento econômico dos últimos anos, a maior parte da indústria argentina pouco se transformou desde a última década.Também a infraestrutura pouco mudou, porque o governo preferiu a ilusão dos controles de tarifas. Aceitando o protecionismo argentino, o governo brasileiro faz o produtor nacional pagar pelos erros cometidos no país vizinho. Já não basta os brasileiros pagarem pelos erros cometidos no seu país?

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090219/not_imp326611,0.php

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