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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Comoção e totalitarismo

Mídia Sem Máscara

Marcus Boeira | 23 Agosto 2010
Artigos - Movimento Revolucionário

O mal das democracias políticas atuais consiste não apenas no enfraquecimento cultural da sociedade de massas, mas também na inepta arquitetura das instituições políticas para conter os avanços revolucionários em ação.

As razões da loucura a que a esquerda latino-americana está imersa são profundas. Historicamente, esse estágio de completa apatia intelectual a que passam muitos dos pseudo-intelectuais brasileiros possui raízes bastante significativas na cultura política européia do século XX. Os vínculos entre o romantismo alemão e as razões que levaram aos horrores dos regimes totalitários são inúmeros, como por exemplo, o dom paternal de fidelidade entre os membros da intelligentsia partidária e seus ideais utópicos.

A bem da verdade, os elementos que ajudam a sedimentar o arcabouço político da identidade entre Estado e Partido, um dos requisitos mais significativos dos regimes totalitários, já se demonstrava presente na correspondência entre a apatia coletiva e o preenchimento desses vazios existenciais com os ideais revolucionários a que emergiam os modelos totais, embutidos nas obras de engenharia social dos intelectuais dos partidos.

A discussão sobre a composição dos partidos políticos é tema corrente na moderna estrutura dos regimes políticos. Giovanni Sartori, em seu "Parties and Party System- a framework for analysis", expõe com a sutileza que lhe é peculiar sobre a diferença entre o sistema pluripartidário de uma democracia política e um sistema monolítico de partido único a que os sistemas totalitários de cunho socialista e fascista do século XX vivenciaram. Diz o autor que em sistemas políticos é fundamental se averiguar tanto a competência quanto a competitividade. Conceitua o professor que competência condiz com "uma estrutura ou regra do jogo" ao passo que competitividade aduz a um "estado concreto do jogo", de forma que no sistema político, competência corresponde aos procedimentos e mecanismos de participação na produção da decisão política, enquanto a competitividade aufere a verdadeira participação em si. Assim, ao tempo em que competência indica a possibilidade de participar, competitividade diz respeito à atualização concreta da deliberação política. Por isso, a distinção se resume entre a potência e o ato da política concreta.

Não obstante isso é também fato de que nos regimes totais, monolíticos como informa o professor Sartori, é perceptível a delineação de sistemas "não-competitivos", pois o partido, que deveria ser uma parte, se transforma em todo, de maneira que não é mais uma "parte em nenhum dos sentidos em que são os partidos no plural", como é o caso das democracias partidárias, mas um organismo que "exibe as características do completo, ou de totalidade, no sentido de que rechaça de plano a idéia de que um todo seja o resultado de uma interação competitiva de algumas partes".

Nesse mesmo sentido Robert Michels, na obra "Sociologia dos Partidos Políticos", faz uma descrição bastante rude da organização do partido socialista na Alemanha. Diz o autor que a "afeição ao partido, que se manifesta com freqüência por gestos bons e comoventes, representa certamente um dos fundamentos mais sólidos sobre os quais repousa o edifício do socialismo alemão". Ora, dessa observação, resta claro que o grau de comoção a que se valiam os lideres das organizações partidárias era fator indispensável para o recolhimento do rebanho servil das massas adeptas. Em suma, o emotivismo manifesto entre choros e lágrimas é mais efetivo do que as "verdadeiras convicções".

Estamos a ver, em nossa terra brasilis, um tipo de socialismo em marcha, baseado nisso que Michels chamou de "gestos bons e comoventes". Assistimos a um espetáculo da política onde um presidente ganha popularidade não pelo que pensa, nem pelo que acredita, mas pelos gestos que pratica.

Num país como o Brasil, "gestos bons" significam "contas bancárias gordas". Percebemos, nisso, também grande semelhança entre o socialismo alemão e o brasileiro, como aponta Michels, ao afirmar que as "razões idealistas são reforçadas por razões, não menos importantes, de ordem material. O hábito de remunerar, de uma maneira suficiente pelo menos, os serviços prestados ao partido elos seus servidores, cria um laço que numerosos companheiros evitam romper, e isso por mi razões. O princípio da remuneração pecuniária dos serviços prestados ao partido, em vigor na democracia socialista alemã, imuniza seus servidores contra tentações mais grosseiras".

É notável, daí, dizer que o laço entre o partido e seus colaboradores se determina pela contraprestação pecuniária. Resumindo: o grupo que serve ao partido não apenas o faz por razões idealistas, senão também por receber pecúnia e, dessa forma, manter-se vinculado por "contrato".

Mas, caberia a pergunta: quem são os servidores? Onde eles estão? Como eles agem para solidificar o partido e transformá-lo no próprio Estado?

Os diversos atores que contribuem para a tomada definitiva do Estado pelo partido são organizações poderosas, que participam na cultura de massas, fomentam o desejo das massas pelos líderes desses partidos e, ainda, recebem para isso. São agentes intermediários entre a sociedade e o Partido, construindo assim vínculos de fidalguia entre a oligarquia partidária e os lideres. Há, portanto, uma sociologia do caos: a democracia não é um regime político para a promoção das liberdades, segundo esses intentos, mas "um meio" para a tomada do poder. E tudo isso com a retribuição pecuniária!

Busca-se a construção artificial de um corpo político cuja cabeça é o partido, onde os símbolos de expressão da cultura são as doses homeopáticas de jargões partidários e os receptores desses arquétipos são os (de)formadores de opinião encostados nas universidades tupinikins, detentores de titulações chanceladas pelo ministério da educação petista (centro da paidéia revolucionária).

Voltando ao século anterior, na busca pela demonstração de que os problemas de hoje eram também os problemas de ontem, é importante observar como Michels, ao escrever os insucessos da falaciosa democracia alemã da primeira metade do século passado, naquilo que se pretendeu chamar de República de Weimar, salienta algo muito peculiar para os dias atuais. Diz ele que "na história dos partidos socialistas não-alemães nós encontramos, por exemplo, jornais muito importantes (...) fundados por iniciativa individual e mantidos pelo idealismo político de algumas personalidades". Mas, completa o autor, "na Alemanha, ao contrário, os jornais (...) forma fundados e são sustentados, pelo partido com todo um estado-maior de redatores e de colaboradores remunerados".

Ora, quando lemos uma obra como essa, percebemos o quão o socialismo petista no Brasil já está solidificado, da mesma forma como o socialismo pan-germânico se consolidou há um século. A obra de engenharia social a que estamos sendo submetidos não vem de agora: já era praticada na Alemanha, mesmo antes do crescimento do nacional-SOCIALISMO. Completa Michels ao dizer que "esse sistema, que consiste em remunerar todo serviço prestado ao partido, desde a pequena notícia de jornal até o mais longo discurso pronunciado em público, permite ao partido não contar muito com o heroísmo e a devoção dos camaradas e lhe confere, ao mesmo tempo que uma coesão extremamente forte, uma autoridade sobre o pessoal que, embora diminuindo a iniciativa deste, não deixa de constituir uma das condições mais importantes e mais indispensáveis da organização".

É bizzaro notar, disso, que a maior parte dos jornais brasileiros, senão todos, estão nas mãos da intelligentsia socialista distribuída em organizações partidárias como o PT ou o PSDB. A lógica da dominação pelo caos, em uma síntese dialética de oposição aparente e consenso interno, funciona na fracassada "plutocracia" nacional desde a década de 80, onde a falaciosa abertura democrática foi, de fato, só midiática e ideal. Na realidade, uma ditadura foi substituída por outra: as organizações partidárias oligárquicas, no mesmo sentido descrito cruelmente por Michels na Alemanha, só mudaram os nomes de seus líderes. Os militares foram substituídos pelos civis; porém, esses civis não são exatamente "cívicos", republicanos, democráticos, senão líderes oligárquicos, valendo-se dos aspectos mais baixos das heranças totalitárias do século passado, como, por exemplo, a identidade entre estado e partido, a implementação da cultura totalitária pelo princípio da legalidade e da jurisdição, a substituição dos símbolos naturais da sociedade por símbolos artificiais, a atomização da sociedade de massas, dentre outras coisas do gênero, para casar tais elementos com formas tecnológicas contemporâneas de dominação pelo poder. Uma verdadeira Tecnodemocracia, nas palavras de Duverger. E tudo isso pela retribuição pecuniária daqueles que servem fielmente aos objetivos escabrosos do Partido único. Um empirismo político atroz: um sistema monolítico partidário mediado pelos mass media!

O leitor já deve estar se perguntando: mas como podemos ver isso no Brasil? Eu explico. Quando a Folha de São Paulo noticia certas situações envergando para uma posição a favor daquilo que o governo petista projeta como "gesto bom e comovente", nada faz senão aplicar, no jornalismo de massas, as pretensões intestinas do Partido que, de posse disso, cria na sociedade "informada" uma educação tal qual projetara a intelligentsia de seus quadros. Pois bem. A partir disso, o próprio partido, retribuindo aos seus agentes midiáticos com verbas pecuniárias estatais, sem contudo informar a população a esse respeito, encontra terreno fértil para passar projetos de lei manifestamente favoráveis às pretensões defendidas pelo jornal. E o círculo vicioso se completa quando uma casa legislativa formada por idiotas úteis - termo usado pelos oligarcas - aprova o projeto, mesmo em contradição clara em relação aos preceitos expostos na Constituição para, após isso, o judiciário "alternativo" empregar as pretensões totalitárias a que eles mesmos deram início dentro do Partido, na qualidade então de agentes políticos camuflados, travestidos de juízes togados, mas agentes revolucionários atuantes em meio a um mar de estupidez e ignorância midiática!

Assim, o totalitarismo a que estamos assistindo está sendo maquinado da mesma forma que fora no século passado, com o acréscimo de que, hoje, há tecnologia de ponta hábil a tornar mais efetivo o controle sobre a sociedade.

O mal das democracias políticas atuais consiste não apenas no enfraquecimento cultural da sociedade de massas, mas também na inepta arquitetura das instituições políticas para conter os avanços revolucionários em ação. A lógica do caos está dinamicamente sendo superada pela ordem artificializada, em que os oligarcas partidários substituem o papel do povo na política: a democracia ideal é invertida por uma plutocracia real, embora continue com o mesmo nome, em razão de seu apego emocional e "comovente".

Para finalizar, é interessante notar àquilo que falou Maurice Duverger, já citado, em seu livro "As Modernas Tecnodemocracias", escrito nos anos 60, ao tratar da oligarquia imperante nas atuais tecnodemocracias sob o ponto de vista da sociologia política: "a oligarquia aperfeiçoou seus laços com o Estado e seus meios de domínio sobre os cidadãos. O desenvolvimento dos mass media permite um condicionamento mais completo através da publicidade e da propaganda, que desenvolve um consenso mais geral e mais profundo, malgrado seu caráter artificial".

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