A democracia brasileira "in veritas"

Mídia Sem Máscara

Marcus Boeira | 06 Novembro 2009
Artigos - Movimento Revolucionário

A cultura do emotivismo, já denunciada por Macintyre (em Justiça de quem?, Qual racionalidade? e After Virtue), agora realça seus contornos mais horrendos: democracia é, então, emocracia, o governo dos "emos", chorosos e rancorosos contra os opressores maus abstratos.

Assistimos uma verdadeira revolução na realidade brasileira. Uma quantidade enorme de grupos sociais articulados surgiu como que num passe de mágica nos últimos anos, cada qual reivindicando para si a tomada de posição na esfera pública política. Assim, cada um desses grupos reivindica o domínio sobre a esfera política, como se seus ideais particularizados representassem a totalidade da realidade, bem como o fundamento mesmo da verdade.

Assim, movimentos de massa, tais como os neonazistas, os abortistas, o MST, dentre outros, assumem a condição de agentes do poder apocalíptico de "transformar a realidade". Acreditam piamente que são detentores de uma espécie de monopólio sobre o que acreditam ser a verdade, enquanto os demais são pedras no sapato. Diante disso, a alternativa para seus problemas seria eliminar os opositores, considerados por eles como "inimigos". Ao eliminá-los, mostram-se como agentes transformadores da sociedade sob o pretexto de serem "democráticos". Acreditam em uma democracia radical: o poder só para eles, e os demais como cobaias de suas políticas exclusivistas. Os cotistas, por exemplo, defendem que os detratores do passado são tão culpados, que seus filhos - a nova geração de ingressantes do sistema público de ensino normal- merecem sofrer as conseqüências de seus antepassados, como se a história fosse o palco sobre o qual esse grupo em particular muda a ordem "posta", invertendo a história "a favor deles" e colocando os antigos opressores no lugar que merecem, como se os mesmos pudessem ressuscitar! Verdadeiro absurdo.

Ademais, os abortistas acusam as instituições e grupos tradicionais de os perseguirem, enquanto arregimentam a ordem jurídica a seu favor, criminalizando todo aquele que opina de modo diferente de suas intenções. Igualam valores como vida e "desejo", justificando o aborto por um ato de mera vontade. Claro: primeiro, começam dando um tom politicamente correto, dizendo que uma mulher vítima de estupro pode optar pelo aborto. Só que depois, se desfazem dessa condição e universalizam o aborto. Eis a tática dos abortistas.

O MST acusa a propriedade de representar o mal da humanidade, enquanto seu maior objetivo está em auferir propriedade. Doce ilusão travestida de santidade! Dão o tapa, escondem a mão, posam de mocinhos, e no final das contas educam militantes anti-humanidade, para que, quando forem adultos, possam usar do que chamam de força e progresso para destruir a propriedade alheia ao bel prazer de suas emoções e desejos.

O que está em marcha no Brasil não é uma revolução qualquer, de grupos querendo mais da política, como quer parecer indicar a Folha de S. Paulo. Não. O que está acontecendo é a própria inversão do conceito e da realidade da democracia constitucional, posta em segundo plano para a ascensão de uma nova forma de democracia: a da hegemonia das minorias contra a maioria. A fórmula é simples: a maioria é um gênero abstrato que representa todo o mal que existe no mundo, enquanto as minorias são cadinhos de santidade espalhados no meio social. É como se uma abstração bestial oprimisse um bando de coitadinhos, que reivindicam para si o poder e a moral. Assim, a maioria é ludicamente construída pelo "imaginário coletivo" (aberração que não existe na realidade) para ser atacada. A maioria é a própria ordem civilizacional, enquanto as minorias são os contra-ordem, os desordeiros!

De uma democracia de frágeis poderes estatais caminhamos para uma democracia de rivais: de um espaço deliberativo para uma esfera revolucionária de destruição mútua entre grupos sociais, que se unem no final por um propósito: viver em uma sociedade anti-civilizacional, absoluta e totalmente secularizada, sem padrões morais e éticos, senão padrões baseados em vontades e desejos grupais.

Assim assistimos a patética "transformação da sociedade brasileira", tão desejada pela festejada intelligentsia dos pseudo-intelectuais da atualidade - Florestan Fernandes, Boaventura Sousa Santos, Saramago, dentre outros (engraçado: todas essas "celebridades acadêmicas" são esquerdistas).

É bizarro o caminho escolhido por nossas pseudo-elites: estamos vivenciando a destruição das instituições políticas diante de nossos olhos, não apenas porque são frágeis - ausência de um poder moderador para garantir o consensus político - senão também porque nossa "educação" é, na verdade, uma escola para militantes revolucionários, dispostos a lutar por seus ideais e por aquilo que acreditam ser a verdade oficial.

A cultura da desordem e da rivalidade está marcando uma geração acostumada e conceber nas celebridades intelectuais marxistas e revolucionárias de um modo geral a saída para seus problemas: o que esses falsos mestres falam, todos acatam- desde jornalistas até estudantes militantes. Há uma hierarquia sombria e discreta em marcha, em que as mentes (de)formadoras opinam e o resto acompanha sem qualquer juízo crítico.

As palavras substituíram a realidade, e o brasileiro, de um modo geral, acostumou-se a pensar em termos ideais, sem raciocinar "in veritas". Fico horrorizado com o modo como parte da classe jurídica brasileira vem pensando os problemas de natureza política. É como se esquecessem que existem instituições e agentes provadamente voltados para a utilização dessas mesmas instituições para finalidades escusas. Exemplos dessa situação temos aos montes: Foro de São Paulo, Clube de Bilderberg, movimento gayzista, MST, feminismo, até mesmo o movimento dos sem nada (aqueles que querem tudo sem trabalhar por isso). Vejam só: nossa democracia, em breve, será elevada ao status de caminho para salvação terrena: qualquer coisa que pedirdes tereis, desde que peçais com alta dose de emoção! A cultura do emotivismo, já denunciada por Macintyre (em Justiça de quem? Qual racionalidade? e After Virtue), agora realça seus contornos mais horrendos: democracia é, então, emocracia, o governo dos "emos", chorosos e rancorosos contra os opressores maus abstratos. No mais das vezes, esses opressores sequer existem, e o que é pior: alguns dos membros desses grupos chamados minorias sabem disso; porém, dissimuladamente, enganam a si mesmos e aos demais com um discurso politicamente correto, justificando que o bestial monstro metafísico é o culpado por não terem ainda lugar ao sol e que, assim, merecem agora tudo o que nunca receberam: além da dignidade, também reivindicam cargos, dinheiro, repasses milionários, conchavos, acordos secretos, tudo em nome dos "direitos das minorias" oprimidas. E até criam ONG´s para isso!

Substituíram a responsabilidade individual pela coletiva: tudo é culpa do coletivo abstrato, de modo que ninguém é de ninguém. Assim, caminhamos para uma nova concepção de democracia, radicada no utilitarismo político, que vê o espaço público como coisa própria. As relações de poder são transformadas em relações de domínio, pois a res pubblica é apropriada em concordância com os anseios e emoções dos grupos chorosos. É como se o ponto de partida já condicionasse o ponto de chegada: instauram o caos e apresentam a solução em uma fórmula "mágica". Os anseios desses grupos aparentemente rivais, mas unidos pela causa comum revolucionária, está em que seus anseios procuram "representar uma verdade oficial", criada por suas idéias futuristas, totais e oficialmente programadas por lideranças escusas. O conjunto dessas idéias entra em nossa cultura como uma "aparente opinião", mas logo toma corpo na opinião pública e aí, transforma-se em "verdade oficial", como única e incontestável saída para todos os problemas de determinado aspecto da realidade. Assim, por exemplo, no caso do aborto a única saída é aceitá-lo, no caso do MST, aceitá-lo, no caso dos cotistas, aceitar a política de cotas, etc. Não há oposição permanente. De uma hora para outra, todos concordam com os ideais grupais e aqueles que permanecem opositores, são silenciados.

As conseqüências do que está acontecendo são muito graves. Isso sem falar das conseqüências propriamente estratégicas - tais como Foro de São Paulo, Globalismo, etc, tão bem denunciadas pelo professor Olavo, pela Graça Salgueiro e por outros tantos que também escrevem nesse jornal - o MSM (por sinal, o melhor do Brasil). Não obstante, como me sinto incapaz de radiografar como eles o retrato político-estratégico do Foro de São Paulo na América Latina, reduzo-me a apenas citá-los como fonte confiadamente autorizada a falar do assunto.

Então, apenas para terminar o assunto, tento constatar o problema propriamente democrático disso, dizendo que o emotivismo e a apropriação indevida da esfera pública por esses grupos está gerando um novo tipo de conflito político: a eleição aleatória de bodes expiatórios, acusados de "culpados" pelos fracassos históricos desses grupos revolucionários. A mera rivalidade entre esses grupos se dá apenas em uma etapa inicial, de modo que a superação dialética das oposições políticas vai cedendo ao totalismo dos desejos políticos e ideológicos desses movimentos, que atribuem "culpas aleatórias" aos opositores pelos erros das sociedades humanas "universalmente" consideradas. É uma condenação universal diante de um desejo individualista e particularizado dos grupos revolucionários.

Os membros desses grupos acreditam piamente que possuem um direito natural secular para dominar a esfera pública de acordo com suas pretensões ideológicas, fechando a mesma com suas visões totalitárias e mecanicistas. É como se substituíssem o Reino de Deus na história e dinamizassem a mesma em conformidade com suas emoções patéticas e perversas.