Contribuinte: base do cidadão
Mídia Sem Máscara
Tibiriçá Ramaglio | 27 Janeiro 2010
Artigos - Economia
Pode-se desde já comemorar a (tardia) disseminação do rudimento de uma mentalidade efetivamente liberal na base de sociedade brasileira: a noção de que os tributos são o vínculo fundamental do relacionamento entre o cidadão e o Estado.
Quem disse que os jornais não dão espaço para as boas notícias? O Estadão de ontem (24, domingo) deu chamada de capa e duas páginas inteiras a uma pesquisa do Instituto Análise, segundo a qual "a elevada carga tributária [brasileira] é apontada pelo eleitor de baixa renda como o maior empecilho para a geração de empregos e o aumento do consumo no país. Sete em cada dez brasileiros defendem a redução de impostos, e não dos juros, como forma de gerar empregos - 65% aceitam menos programas sociais, como o Bolsa Família, se a contrapartida for reduzir tributos para derrubar os preços". Enfim, como arremata o cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor do instituto responsável pela pesquisa: "As pessoas sabem que poderiam consumir mais, mas não conseguem por causa dos impostos".
Alberto Carlos Almeida é o autor de "A cabeça do brasileiro", livro que lhe deu notoriedade por escancarar o caráter majoritariamente conservador da nossa sociedade, o que causou espécie na mídia moderninha e em outros setores intelectualizados que se dizem progressistas. No entanto, ninguém - ao menos que eu me lembre - colocou em dúvida os aspectos técnico-metodológicos da pesquisa naquela ocasião, do que infiro a licitude e a objetividade do trabalho do cientista Almeida e pelo que as transfiro à sua pesquisa atual. Isto posto, pode-se desde já comemorar a (tardia) disseminação do rudimento de uma mentalidade efetivamente liberal na base de sociedade brasileira: a noção de que os tributos são o vínculo fundamental do relacionamento entre o cidadão e o Estado. Compreender-se como contribuinte, pode-se dizer, é o primeiro passo rumo à cidadania e à democracia representativa.
Para quem não acredita que os nossos Zé Ninguéns já chegaram a essa compreensão, o próprio Almeida, no artigo em que comenta sua pesquisa, na página A-4 do jornal, deixa claro que a informação sobre o pagamento de impostos tem circulado ao longo dos anos e atingiu a todos os brasileiros, por meio de campanhas como a contrária à MP 232 (tsunami tributário de fins de 2004), à CPMF, do Impostômetro, da conta de luz, das propostas de trabalho sem carteira assinada com um salário mais elevado, etc.
O próprio governo acabou, inadvertidamente e contra seu interesse, educando a população ao reduzir o IPI de bens muito desejados. Assim, conclui o pesquisador, dando a dimensão da importância prática dessa consciência na população: "Não se trata de uma informação neutra, a de que ele (o povão) paga impostos, é algo que tem impacto em seu interesse imediato, em seu dia a dia, em sua capacidade de compra".
Por outro lado, é claro, nem tudo são flores. Ainda não apareceu no país um único político que fale dessa questão em termos que sensibilize o eleitorado das classes C, D e E. Nas palavras de Almeida, "fala-se de impostos publicamente no Brasil, mas os argumentos são para os empresários e para os políticos, tratam da competitividade mundial do Brasil, custos de produção, custo Brasil, etc. Não falam de alimentos, consumo e empregos. Estas sim questões que, devidamente conectadas aos impostos, mobilizam a grande maioria da população brasileira". Infelizmente, é bem difícil acreditar que apareça alguém falando disso para valer aqui no Brasil tão cedo, pois a triste realidade é que a incompetência administrativa e a falta de projetos para a nação precisam de muita arrecadação para serem disfarçadas.
PS: Aproveito os 456 anos de nossa mui amada metrópole de Piratininga para parabenizar a Associação Comercial de São Paulo, entre cujas salutares iniciativas, além do Impostômetro encontra-se o imperdível Museu da Corrupção e o Diário do Comércio, um pequeno grande jornal.
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