O verdadeiro inimigo ou a força das circunstâncias na política
Mídia Sem Máscara
Tibiriçá Ramaglio | 27 Janeiro 2010
Artigos - Conservadorismo
Tibiriçá lança a polêmica ao afirmar: "Serra pode ser estatista, patrimonialista, autoritário, não importa. Nosso problema principal agora não é combater a ideologia esquerdista.
Quem acredita em Marx põe a culpa de toda as nossas mazelas em entidades abstratas como a burguesia, o capital, a direita. O conceito de direita, já que a rigor se trata de uma posição, é bastante flexível. Os militantes do PSTU consideram o PT um partido de direita. Marta e Eduardo Suplicy são considerados por gente como Valter Pomar e Marcus Sokol como a direita do PT. Já disse aqui, em outras ocasiões, anedotas que se contavam sobre a esquerda, como dizer que os comunistas só se unem na prisão. Na Libelu, certa vez, ou vi essa: "Um trotsquista, um partido; dois trotsquistas, iminência de racha; três trotsquisas, dois partidos...". E, para não ficar apenas no folclore, lembro que o jornal do PCB, também conhecido como Partidão, se chamava significativamente "A Voz da Unidade" - uma unidade desejada, embora inexistente.
Nunca houve unidade entre os comunistas e os esquerdistas em geral. O ódio que os petistas sentem dos tucanos é mais um exemplo dessa desunião, um exemplo que, particulamente me impressiona. Creio que o ódio escancarado que o PT nutre pelo PSDB não se explica somente pelo fato de ambos os partidos terem concorrido muito tempo pelas mesmas fatias do eleitorado. Há muitos elementos em jogo. O elemento predominante hoje em dia me parece a inveja: diante das realizações do governo FHC, a incompetência dos petistas não se contém e não consegue evitar comparações que favoreçam o governo Lula, ainda que só eles mesmos acreditem nos falsos resultados de suas estatísticas. O fato de o PSDB ter conseguido chegar ao poder antes do petismo é outra peça-chave do quebra-cabeça: a vitória de FHC sobre Lula em duas eleições foi encarado como um ultraje pelo partido. Ultraje intolerável pois a interação dos petistas com a realidade é mediada pelas vísceras e não pelo cérebro. Além disso, imagino que o PT encare Fernando Henrique e José Serra como traidores de classe, como gente que vendeu a alma ao diabo, abandonando a santa doutrina revolucionária e conciliando com a burguesia ou com as elites.
É verdade que a postura do PSDB em relação aos petistas é bem outra. Os tucanos não odeiam os petistas, a que consideram apenas muito radicais em seu esquerdismo. Em geral, acabam sendo coniventes com eles, por má-consciência. Devem encarar o radicalismo dos xiitas do PT como algo que se explica pelas limitações intelectuais das lideranças, pelo apego às convicções mais tradicionais do marxismo-leninismo, pela incapacidade de perceber com clareza as transformações da realidade após a queda do Muro de Berlim. O intelectual peessedebista não consegue reagir com o mesmo ódio ao operário esclarecido e combativo do PT, estando sempre pronto a relevar as pedradas que recebe dele e a tentar dirimir divergências por meio de um diálogo construtivo. Em 2002, quando a sabedoria popular lembrava que um operário analfabeto não podia assumir a presidência da República, Fernando Henrique Cardoso não hesitou em sair na defesa de Lula, afirmando que essa era uma visão preconceituosa, que Lula não estava pleiteando uma cátedra acadêmica, mas um cargo político. Independentemente disso, por disputarem o poder, os tucanos são muitas vezes forçados a atuar com alguma hostilidade contra os petistas, como demonstra a entrevista de Sérgio Guerra à revista Veja.
Essa breve digressão vem a propósito de quem insiste em dizer que PT e PSDB são farinha do mesmo saco e, mais, que Serra na presidência seria pior do que Dilma Rousseff. Essa tese, que redunda na opção pelo voto nulo, me parece tão equivocada quanto aquela que considerava que o MDB coonestava a ditadura e que, portanto, nas poucas eleições a que tínhamos direitos, a opção correta era anular o voto. Na Alemanha de 1933, para abalar o governo socialista da República de Weimar, os comunistas votaram nos nacional-socialistas, cometendo um suicídio que só não era previsível para eles mesmos. Um equívoco terrível, que ajudou o verdadeiro inimigo. Essa é a questão: o verdadeiro inimigo, que não é uma entidade ideal, abstrata, encarnação de nossos mais terríveis pesadelos. O verdadeiro inimigo, em política, é indicado pelas circunstâncias. Creio que os intelectuais raramente se transformam em políticos propriamente ditos por estarem mais ligados ao mundo das ideias do que à realidade, às circunstâncias práticas. De qualquer modo, nas nossas lamentáveis circunstâncias, o inimigo é o PT - como já disse em post de 21 de janeiro, republicado no Mídia Sem Máscara, onde minha tese foi contestada por Heitor de Paola. Serra pode ser estatista, patrimonialista, autoritário, não importa. Nosso problema principal agora não é combater a ideologia esquerdista. É evitar que o PT tenha um novo mandato em que ele leve adiante o seu projeto revolucionário, abolindo a lei da anistia, avançando o projeto que expôs no Programa Nacional dos Direitos Humanos. É tirar o poder do Estado das mãos dessa quadrilha e evitar que eles deem um golpe à prestação, à la Chavez, golpe que pretendem dar desde os primeiros dias do primeiro governo Lula.
Colocar no Planalto um presidente social-democrata, que tem afinidades ideológicas com o PT, mas que não é petista, que tem a seu lado um outro staff partidário, que tem outras demandas a atender, que tem outros aliados e que tem um compromisso com a democracia, significa obstruir o avanço da marcha petista e ganhar tempo para que outras opções mais à direita possam aparecer no cenário político nacional, de modo que em 2014 as circunstâncias sejam bem menos lamentáveis do que seriam, caso as eleições ocorressem após um governo de Dilma Rousseff. Digo mais, colocar o PT para fora do poder, varrer toda a companheirada dos milhares de cargos que eles ocupam no aparelho de Estado, pode representar um golpe ainda mais duro para o partido que deve enfrentar imensas dificuldades para se rearticular enquanto oposição. Em resumo, votar e garantir a alternância do poder é, no meu modo de ver as coisas, a única maneira de impedir o estabelecimento de uma ditadura bolivariano-petista no Brasil.
Devemos, portanto, seguir o exemplo pragmático do grande Winston Churchill que, quando necessário, não relutou em fazer aliança com Stalin para combater Hitler. Deixar de lado o pragmatismo numa hora dessas e ficar vendo o inimigo esquerdista em toda parte é um equívoco que, no extremo, lembra as declarações mais recentes de Hugo Chavez atribuindo o terremoto no Haiti a experimentos nucleares dos Estados Unidos, ou ainda as de Manuel Zelaya que tapou as janelas da embaixada brasileira em Tegucigalpa para se proteger das armas de raios do serviço secreto israelense. Ou pior: é acreditar que a blogueira Yoani Sanchez é uma agente dos irmãos Castro, o que só serve para disseminar uma mentalidade desconfiada e paranóica que deixa todo mundo de mãos amarradas.
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