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sexta-feira, 10 de abril de 2009

A OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE FORNECER MEDICAMENTO: uma análise: uma análise econômica do direito público

A OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE FORNECER MEDICAMENTO: uma análise

econômica do direito público

Movimento Endireitar

A OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE FORNECER MEDICAMENTO: uma análise econômica do direito público PDF Imprimir E-mail

Escrito por Márcio Luís Chila Freyesleben

Qui, 09 de Abril de 2009 11:10

Revela-se inquietante o crescimento das ações judiciais em que o Poder Público é compelido a fornecer ao cidadão medicamentos e tratamentos médico-hospitares. Eu confesso que já avim com pedidos de tal jaez. Revi meu pensamento, pois dei de temer pela lisura das pretensões tantas vezes no foro deduzidas. De feito, “saúde é direito de todos”, mas quando a locução é empregada sem a precisa reflexão sobre a sua dimensão, convola-se naquilo que foi objeto da crítica de Graciliano Ramos: "A frase é reles, clichê perfeito, chavão repetido mil vezes em versinhos alambicados de poetas de meia-tigela" (Linhas Tortas, p. 85). É o que tem ocorrido com a locução "saúde é direito de todos": chavão repetido mil vezes, por linhas tortas. O que começou como reconhecimento do direito de carentes, transformou-se, a passos largos, em trem da alegria, patrocinado pelo interesse da indústria farmacêutica, quando não o é dos planos de saúde, em prol de pessoas que, a bem da verdade, buscam tão-somente “aliviar” o orçamento doméstico das despesas médicas, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados.

É claro – eu reconheço – que vez por outra há sinceridade e honestidade na pretensão judicial. Insisto, contudo, no argumento algures por mim sustentado de que a recusa do Poder Público em fornecer o medicamento ou o tratamento não pode ser, em si, fundamento do pedido. Para que se dê ganho de causa ao cidadão, há mister de prova da recusa “ilegal” do Estado. É força que a recusa não tenha fundamento técnico ou orçamentário.

Não tem sido a opinião ordinária do Judiciário, infelizmente. A resultância: pacificado o entendimento de que o Estado é obrigado a fornecer medicamento e tratamento à população, o Judiciário transformou-se na porta aberta ao abuso. De minha Procuradoria, tive ensejo de ver transitar de tudo: de fraldas geriátricas a pomadas epidérmicas, passando por suplementos alimentares, até mesmo leite. A persistir a toada, ainda assistirei ao Poder Público, sob vara, fornecer ao vivente Emulsão Scott e Emplastro Sabiá, Formicida Tatu e pó-de-gafanhoto (BHC).

Intriga-me, outrossim, a percepção de que médicos indiquem tratamentos e medicamentos ditos “mais modernos”, sem qualquer fundamentação. A cada “novidade” lançada pela indústria médico-farmacêutica, o SUS deita às urtigas o estoque dos medicamentos “ultrapassados”. Para agravar, nutre-se a cultura de que ao Judiciário não é dado questionar a indicação médica. Pessoalmente, não dou fé à capacidade dos médicos de certificar a eficácia dos medicamentos que atocham em seus pacientes. De há muito que tais profissionais se prestam aos obséquios de repassadores de medicamentos, em ofício de garoto-propaganda dos laboratórios. Tenho para mim que é passado o tempo de se exigir a comprovação das reais vantagens das novidades iamológicas, para efeito de medidas judiciais. Outrossim, é preciso pôr cobro ao estado de coisas que se está descortinando, reservando a intervenção do Judiciário àqueles que efetivamente dela necessitam.

Não olvido que a saúde é tema central no estudo dos direitos fundamentais, e integra as políticas públicas do governo. Arguo, todavia, que "política pública" é conceito jurídico indeterminado, categoria jurídica própria dos atos discricionários, em que a norma confere ao administrador juízo de conveniência e oportunidade, razoabilidade e equidade, na consecução da atividade administrativa. No caso, tenho que a questão passa justamente pela discricionariedade, uma vez que a concessão de medicamentos depende da avaliação que o Poder Público fará não somente do impacto orçamentário, senão também das prioridades estabelecidas pelas políticas públicas elegidas.

Nisto, impõe-se relembrar os limites da intervenção judicial, pois a atuação do Judiciário não pode ir ao ponto de imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento da entidade estatal, porquanto seja cediço que a condenação do Estado ao fornecimento ilimitado de medicamentos e de tratamentos culminaria na inarredável insuficiência de recursos para o atendimento das demais demandas públicas: educação, limpeza urbana, segurança pública, etc. Em suma: interferiria nas políticas públicas do Estado.

Não desconheço a importância do serviço de saúde. Objeto, porém, que o seu atendimento está atrelado à situação econômica do país. É de sabença semeada que o Estado não dispõe de recursos para assegurar de maneira plena todos os direitos garantidos ao cidadão na Constituição. A lógica da “teoria do possível” diz que, quanto mais rico for o Estado, maior será a sua capacidade de suprir as demandas públicas. Logo, as questões sociais, por seu conteúdo programático, não podem ser tratadas apenas pela óptica jurídica; a economia é “conditio sine qua non” à concretização do preceito constitucional.

Ademais, não pode o Magistrado, no exercício da jurisdição, à guisa de dar efetividade ao direito, criar despesa pública não prevista em orçamento. Admitir a interferência do Judiciário nas políticas públicas é guindá-lo à condição de gestor público, à revelia da lei, ao arrepio da separação dos Poderes. Sendo finitos os recursos financeiros, a imposição de ônus não previsto no orçamento irá ter com o velho adágio do cobertor curto, ou com a famosa máxima de Friedman de que “não há almoço grátis”. Como qualquer outro direito fundamental, o direito à saúde não é absoluto ou ilimitado. Ao contrário, encontra limites em direitos igualmente consagrados pela Constituição e na capacidade econômica do Estado. Daí, então, a minha insistência na mesma ladainha: intervenção judicial deve ser reservada às hipóteses em que o Estado agir com abuso de poder.

Márcio Luís Chila Freyesleben é Procurador de Justiça - Minas Gerais

Escrito por Márcio Luís Chila Freyesleben

Qui, 09 de Abril de 2009 11:10

Revela-se inquietante o crescimento das ações judiciais em que o Poder Público é compelido a fornecer ao cidadão medicamentos e tratamentos médico-hospitares. Eu confesso que já avim com pedidos de tal jaez. Revi meu pensamento, pois dei de temer pela lisura das pretensões tantas vezes no foro deduzidas. De feito, “saúde é direito de todos”, mas quando a locução é empregada sem a precisa reflexão sobre a sua dimensão, convola-se naquilo que foi objeto da crítica de Graciliano Ramos: "A frase é reles, clichê perfeito, chavão repetido mil vezes em versinhos alambicados de poetas de meia-tigela" (Linhas Tortas, p. 85). É o que tem ocorrido com a locução "saúde é direito de todos": chavão repetido mil vezes, por linhas tortas. O que começou como reconhecimento do direito de carentes, transformou-se, a passos largos, em trem da alegria, patrocinado pelo interesse da indústria farmacêutica, quando não o é dos planos de saúde, em prol de pessoas que, a bem da verdade, buscam tão-somente “aliviar” o orçamento doméstico das despesas médicas, em prejuízo dos verdadeiramente necessitados.

É claro – eu reconheço – que vez por outra há sinceridade e honestidade na pretensão judicial. Insisto, contudo, no argumento algures por mim sustentado de que a recusa do Poder Público em fornecer o medicamento ou o tratamento não pode ser, em si, fundamento do pedido. Para que se dê ganho de causa ao cidadão, há mister de prova da recusa “ilegal” do Estado. É força que a recusa não tenha fundamento técnico ou orçamentário.

Não tem sido a opinião ordinária do Judiciário, infelizmente. A resultância: pacificado o entendimento de que o Estado é obrigado a fornecer medicamento e tratamento à população, o Judiciário transformou-se na porta aberta ao abuso. De minha Procuradoria, tive ensejo de ver transitar de tudo: de fraldas geriátricas a pomadas epidérmicas, passando por suplementos alimentares, até mesmo leite. A persistir a toada, ainda assistirei ao Poder Público, sob vara, fornecer ao vivente Emulsão Scott e Emplastro Sabiá, Formicida Tatu e pó-de-gafanhoto (BHC).

Intriga-me, outrossim, a percepção de que médicos indiquem tratamentos e medicamentos ditos “mais modernos”, sem qualquer fundamentação. A cada “novidade” lançada pela indústria médico-farmacêutica, o SUS deita às urtigas o estoque dos medicamentos “ultrapassados”. Para agravar, nutre-se a cultura de que ao Judiciário não é dado questionar a indicação médica. Pessoalmente, não dou fé à capacidade dos médicos de certificar a eficácia dos medicamentos que atocham em seus pacientes. De há muito que tais profissionais se prestam aos obséquios de repassadores de medicamentos, em ofício de garoto-propaganda dos laboratórios. Tenho para mim que é passado o tempo de se exigir a comprovação das reais vantagens das novidades iamológicas, para efeito de medidas judiciais. Outrossim, é preciso pôr cobro ao estado de coisas que se está descortinando, reservando a intervenção do Judiciário àqueles que efetivamente dela necessitam.

Não olvido que a saúde é tema central no estudo dos direitos fundamentais, e integra as políticas públicas do governo. Arguo, todavia, que "política pública" é conceito jurídico indeterminado, categoria jurídica própria dos atos discricionários, em que a norma confere ao administrador juízo de conveniência e oportunidade, razoabilidade e equidade, na consecução da atividade administrativa. No caso, tenho que a questão passa justamente pela discricionariedade, uma vez que a concessão de medicamentos depende da avaliação que o Poder Público fará não somente do impacto orçamentário, senão também das prioridades estabelecidas pelas políticas públicas elegidas.

Nisto, impõe-se relembrar os limites da intervenção judicial, pois a atuação do Judiciário não pode ir ao ponto de imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento da entidade estatal, porquanto seja cediço que a condenação do Estado ao fornecimento ilimitado de medicamentos e de tratamentos culminaria na inarredável insuficiência de recursos para o atendimento das demais demandas públicas: educação, limpeza urbana, segurança pública, etc. Em suma: interferiria nas políticas públicas do Estado.

Não desconheço a importância do serviço de saúde. Objeto, porém, que o seu atendimento está atrelado à situação econômica do país. É de sabença semeada que o Estado não dispõe de recursos para assegurar de maneira plena todos os direitos garantidos ao cidadão na Constituição. A lógica da “teoria do possível” diz que, quanto mais rico for o Estado, maior será a sua capacidade de suprir as demandas públicas. Logo, as questões sociais, por seu conteúdo programático, não podem ser tratadas apenas pela óptica jurídica; a economia é “conditio sine qua non” à concretização do preceito constitucional.

Ademais, não pode o Magistrado, no exercício da jurisdição, à guisa de dar efetividade ao direito, criar despesa pública não prevista em orçamento. Admitir a interferência do Judiciário nas políticas públicas é guindá-lo à condição de gestor público, à revelia da lei, ao arrepio da separação dos Poderes. Sendo finitos os recursos financeiros, a imposição de ônus não previsto no orçamento irá ter com o velho adágio do cobertor curto, ou com a famosa máxima de Friedman de que “não há almoço grátis”. Como qualquer outro direito fundamental, o direito à saúde não é absoluto ou ilimitado. Ao contrário, encontra limites em direitos igualmente consagrados pela Constituição e na capacidade econômica do Estado. Daí, então, a minha insistência na mesma ladainha: intervenção judicial deve ser reservada às hipóteses em que o Estado agir com abuso de poder.

Márcio Luís Chila Freyesleben é Procurador de Justiça - Minas Gerais

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